Luke Stewart, 5 de Maio de 2023

Progressão natural

texto: Nuno Catarino e David Cristol / fotografia: Miguel Estima e RUN LOLA

Contrabaixista, compositor, improvisador, promotor, organizador, radialista, ativista. Luke Stewart será uma das figuras mais ativas e polivalentes da cena atual, com um leque enorme de projetos e colaborações: Irreversible Entanglements, Heroes are Gang Leaders, James Brandon Lewis, Exposure Quintet, Blacks' Myths e Heart of the Ghost são apenas alguns. Em 2022 editou o disco “The Bottom”, ao leme do seu grupo Silt Trio, com o saxofonista Brian Settles e o baterista Chad Taylor – projeto que vai atuar no Amadora Jazz no dia 12 de maio. E irá atuar no Jazz em Agosto, em Lisboa, integrado no Zoh Amba Trio, a 2 de agosto. Antecipando a atuação de Luke Stewart na Amadora, estivemos à conversa com o versátil contrabaixista.

 

Um dos grupos que integra é o quarteto do músico português Luís Vicente 4tet, que acabou de editar o novo álbum “House In the Valley” (Clean Feed). Como surgiu a sua participação neste grupo e o que acha deste disto? 

Eu e o Luís tocámos juntos pela primeira vez em Lisboa, em 2021. Conhecemo-nos através do nosso amigo em comum John Dikeman. Estabelecemos rapidamente uma ligação forte através da música e de muitos interesses em comum. Estou grato pela sua perspetiva sobre como ser músico criativo na Europa e em Portugal. Esta gravação é um registo forte da irmandade que nós estabelecemos nessa viagem. Cada um de nós, individualmente, alcançou um ponto mais elevado na música e juntámo-nos de uma forma única e poderosa. Adoro tocar com este grupo.

Os Irreversible Entanglements deram o concerto de abertura do festival Jazz em Agosto 2022. Como foi essa experiência e a passagem por Lisboa?

Todos concordamos que o tempo que passámos em Lisboa foi incrível e mudou a nossa vida. Por causa do festival, pudemos passar um pouco mais de tempo na cidade, aproveitando os contactos que já tínhamos e aprofundando a cena. Lisboa é uma cidade tão complicada, mas fomos abençoados com anjos que nos guiaram e nos mostraram o que está realmente a acontecer nesta comunidade culturalmente rica. O Aquiles [Navarro] e eu, em particular, conseguimos ligar-nos em grande medida a muitas cenas que explorámos. Não vale a pena entrar em pormenores, porque aconteceu muita coisa, mas consideramos Lisboa uma segunda casa na Europa.

Poderemos dizer que os Irreversible Entanglements foram uma evolução do coletivo Heroes are Gang Leaders (Jazz em Agosto 2019), que por sua vez poderia ser entendido como uma extensão do trio de James Brandon Lewis? Os projetos evoluem a partir de bandas anteriores, ou vêem-nos como conceitos/entidades totalmente diferentes?

Irreversible Entanglements, Heroes are Gang Leaders e James Brandon Lewis Trio são evoluções completamente diferentes, viagens completamente diferentes. Quando estou a colaborar com cada grupo, dou-lhe toda a minha atenção. É preferível para mim ter uma distinção clara entre cada projeto, para poder dar 110% de cada vez. Heroes are Gang Leaders e James Brandon Lewis Trio fizeram, de facto, parte de uma evolução singular, de uma comunidade particular. Esta, no entanto, é separada da evolução e da comunidade em torno de Irreversible Entanglements. No entanto, ao longo dos anos, tem havido algumas colaborações interessantes entre os grupos.

Sendo um músico baseado em Nova Iorque/D.C., como é que se aproximou com a International Anthem de Chicago?

Sou um fã de longa data da comunidade musical de Chicago e tive alguns momentos musicais muito formativos com alguns dos músicos de lá. Sinto que a minha ligação com Chicago é mais vasta do que com o International Anthem, mas tenho orgulho na nossa relação e olho para o nosso tempo com carinho. Na verdade, é uma questão de comunidade, em que todos temos amigos, relações, interesses e objetivos semelhantes. Durante alguns dos primeiros tempos da International Anthem, conhecemo-nos através do meu trabalho na rádio e na organização de concertos. Na altura, eu estava a gerir um espaço em DC chamado Union Arts. Tivemos lá um concerto com o Nick Mazzarella Trio e passámos um bom bocado. Mais tarde, o Scottie e o Dave foram a DC para cobrir a tomada de posse do Trump, onde fiz parte de uma manifestação musical contra a presidência. Foi uma experiência comovente.

Para além das atividades musicais, trabalha também como promotor/organizador. Considera que este tipo de trabalho é importante para fazer avançar as coisas?

Sim, o meu trabalho como organizador sempre fez parte da minha arte. É uma forma que muitos músicos usam para ajudar a promover o objetivo de aumentar a consciência em torno da música e construir uma comunidade. Embora o meu trabalho como músico me tenha mantido muito ocupado nos últimos anos, continuo a considerar o meu trabalho como organizador de importância crucial.

  


Uma vez que toca tanto na Europa como nos Estados Unidos, diria que as estéticas musicais são muito diferentes? E como vê a receção da música pelo público?

Não toco tanto na Europa como nos E.U.A., mas estou grato por ser regularmente convidado a partilhar e a interagir com a comunidade musical na Europa. A estética musical na comunidade da Música Criativa está a tornar-se cada vez mais semelhante, diria eu, no sentido em que temos muito mais ligações do que no passado. Diria que, pelo menos, há muitas vozes mais diversas em geral

Já tocou com lendas vivas como Archie Shepp e Wadada Leo Smith, e recentemente juntou-se à nova banda de David Murray. O que é que ganha ao tocar com estes músicos? Na sua carreira, a ideia de história / linhagem / transmissão do jazz parece importante.

Sim, é uma honra e um privilégio poder atuar com estes e outros anciãos. Faz parte do meu percurso, desde o início, procurar os mais velhos na música. Desta forma, encontrei-me “na tradição”, apesar da minha origem muito improvável. Cada interação é uma lição. Ouvir as histórias e perspetivas da fonte, ou o mais próximo possível dela, é crucial.

Um projeto muito diferente é o duo de rock experimental Black Myths. Como está a correr esse projeto? 

Está a correr muito bem! Acabámos de completar a nossa primeira digressão completa pela Europa, que tinha sido remarcada desde 2020. Esperamos lançar o nosso novo álbum ainda este ano.

Quais são os projetos que melhor refletem a sua personalidade musical? Poderia selecionar 3 discos para os leitores ficarem a conhecer a sua música?

“Blacks’ Myths II”; “Homeless/Global” de Irreversible Entanglements; e “Summons” de Heart of the Ghost. 

O solo será o formato onde se expressa de uma forma mais profunda ou pessoal. Publicou 2 volumes de contrabaixo solo na editora Astral Spirits. Como é que surgiu a ideia de tocar a solo? 

Tocar a solo sempre foi um objetivo e uma prática para mim enquanto músico. O projeto “Works for Upright Bass and Amplifier” foi uma progressão natural, fundindo os meus interesses em música eletrónica e som acústico. Continuo a aprender coisas novas para fazer, incorporando o máximo de coisas possível numa atuação específica. Estou atualmente envolvido numa residência onde espero chegar à próxima fase do projeto, fiquem atentos!

Em agosto de 2022 participou numa gravação em Lisboa com Carlos “Zíngaro”, Pedro Melo Alves, Marta Warelis e Luís Vicente. Vai haver um álbum? 

Espero que haja um álbum! A sessão foi muito gira, e foi uma honra estar num estúdio com tanta história e legado para Portugal. Consegui sentir o espírito da sala e isso contribuiu muito para a atuação.

A morte súbita de Jaimie Branch foi um choque terrível. Tinha uma relação muito próxima com ela. Quais são as suas memórias favoritas dela? 

O nosso último encontro a sério foi em Lisboa. Foi uma noite memorável, cheia de músicos incríveis a quem temos a sorte de chamar amigos. A Jaimie e eu, e outros, tivemos certamente alguns momentos de “uau, olhem para nós aqui!”. Foi uma experiência fantástica, uma de tantas ao longo dos anos. Amo-a muito e tenho imensas saudades dela.

Vai agora atuar em Portugal, com o Silt Trio, no festival Amadora Jazz. O que podemos esperar desse concerto?

Sim! Estou contente por tudo ter corrido bem e termos conseguido agendar. O concerto será uma apresentação do material do disco do Silt Trio, mais algumas composições novas. Esperamos apresentar um novo disco ainda este ano. Aguardamos com muita expectativa!

  

Para saber mais

thelukestewart.com

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Parque Central da Maia - Maia

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11 Junho

Débora King “Forget about Mars” / Mayan

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