Carlos Bica, 2 de Maio de 2023

Vivendo o agora

texto: Nuno Catarino / fotografia: Dovile Sermokas

Carlos Bica é um dos músicos portugueses com maior reconhecimento internacional, com uma carreira consagrada, entre dezenas de gravações e projetos. Além do seu grupo mais conhecido, o trio Azul, com Frank Möbus e Jim Black, o contrabaixista está a desenvolver novos projetos. Em parceria com a cantora Maria João, prepara-se para editar o novo disco, “Close to You”, e irão atuar no festival Amadora Jazz a 13 de maioEm paralelo, mantém um novo grupo, o Carlos Bica Quarteto, com jovens músicos portugueses: o saxofonista José Soares, o vibrafonista Eduardo Cardinho e o guitarrista Gonçalo Neto. Ao leme desta formação atua no Auditório de Espinho, no próximo dia 5 de maio. Prepara-se ainda para lançar um novo disco, “Playing with Beethoven”, gravado com Daniel Erdmann (saxofones tenor e soprano), João Barradas (acordeão) e DJ Illvibe (gira-discos), que terá edição da Clean Feed. Carlos Bica fala-nos sobre estes seus mais recentes projetos.

 

Tens este novo grupo, Carlos Bica Quarteto, com que tens tocado, mas ainda não gravaram. Tocas aqui com o saxofonista José Soares, o vibrafonista Eduardo Cardinho e o guitarrista Gonçalo Neto. Porque reuniste este grupo, com jovens músicos portugueses? Que características estes músicos trazem para a música? 

A comunicação musical que existe entre nós foi o motivo principal para a escolha destes músicos. Para além de serem excelentes músicos, eles reúnem qualidades musicais que encaixam na perfeição na música que quero criar. A diferença de idades e a energia daí resultante é uma mais valia para este projeto.

Um outro projeto onde tens estado envolvido é o quarteto com a Maria João (Maria João & Carlos Bica Quartet). Vocês tocaram muito juntos no início das vossas carreiras, tiveram cada um o seu percurso, voltaram agora a juntar-se para tocar. Como tem sido este reencontro?

Foi juntos que nós fizemos as nossas primeiras incursões musicais pela Europa, o que na altura (finais de anos ’80) era uma verdadeira proeza. A determinada altura, cada um de nós sentiu uma vontade mais forte de partir para a descoberta de si próprio e foi então que os nossos caminhos tomaram rumos diferentes, eu fui viver para a Berlim, onde nasceu o meu primeiro projeto como líder (o trio Azul) e a Maria João deu na altura início a uma longa parceria com o Mário Laginha. Há uns anos assisti a um concerto da Maria João no Hot Clube e fiquei mais uma vez encantado com as suas qualidades como cantora e improvisadora nata. Em conversa de amigos surgiu então a vontade de voltarmos a colaborar juntos. 

Com o quarteto com a Maria João vão editar um disco, “Close to you”. Qual o critério que definiram para a escolha do repertório?

Levantou-se de imediato a questão sobre qual o repertório a tocar e, foi então que nos ocorreu desde logo o nome de Burt Bacharach, de quem ambos somos fãs, e de fazermos as nossas versões de algumas das melhores canções do cancioneiro anglo-saxónico, às quais mais tarde juntámos alguns originais da nossa autoria.

Numa entrevista de 2016 disseste-me: «Repetir fórmulas nunca esteve nos nossos planos, mas é sempre difícil de planear o agora». Tens conseguido evitar essa repetição de fórmulas? 

Estou em crer que sim, os meus sucessos são frutos da minha honestidade naquilo que faço e na vontade impetuosa em querer ouvir a minha voz interior, não me agarrando a fórmulas prisioneiras do tempo mas sim vivendo o agora.

És um dos músicos portugueses com maior reconhecimento internacional, com uma carreira consagrada, com dezenas de gravações, lideras vários grupos e projetos. Olhando em retrospectiva, quais os momentos deste percurso em que sentes mais orgulho e satisfação?

Olhando em retrospetiva, o trio Azul com Frank Möbus e Jim Black será muito provavelmente um forte motivo para orgulho e satisfação. Quando em 1995 gravei com estes músicos o meu primeiro álbum realizei um sonho da minha vida, o facto de passados quase 30 anos ainda tocarmos juntos é motivo de grande orgulho e satisfação. Quando as coisas acontecem na vida só porque estamos no caminho certo, isso é que é ter sucesso. 



Os meus discos favoritos da tua discografia são o “Believer” e o “Single”, registo solo editado em 2006. Nessa entrevista dizias que
«num disco de contrabaixo solo cada nota que é tocada é um espaço roubado ao silêncio». Tens planos para nova gravação a solo, para roubar espaço ao silêncio?

Está nos meus planos gravar ainda este ano um novo álbum de contrabaixo solo, consciente do grande desafio que isso implica. Qualquer som ou nota musical vive uma relação amorosa intensa com o silêncio, com as pausas (que também são notas musicais). Num concerto de contrabaixo solo o silêncio é uma ferramenta de composição imprescindível. Recentemente tive a oportunidade de dar um concerto a solo na St. George’s Church em Lisboa, a convite do Festival Rescaldo, que me deu um imenso prazer e me deixou uma enorme vontade de avançar com a gravação de um novo álbum de contrabaixo solo.

O teu projeto mais conhecido será o trio Azul, com Frank Möbus e Jim Black. Como está o grupo neste momento? Encontram-se em pousio?

Apesar dos nossos concertos serem escassos o grupo continua ativo. Muito recentemente tocámos num festival em Vitoria (Espanha) e no próximo mês de Junho o Azul irá colaborar mais uma vez com a Orquestra Jazz de Matosinhos.

Estiveste recentemente envolvido na peça “Não Estás Aqui Por Acaso”, na Escola de Mulheres em Lisboa, a interpretar música durante a peça. Este tipo de desafio, e cruzamento entre música e teatro, interessa-te?

“Não Estás Aqui Por Acaso” é uma peça de dança, um duo com uma bailarina e um músico. Essencialmente, interessa-me qualquer arte que desperte a minha criatividade.

Em que projetos tens estado mais ativo nos últimos tempos?

O meu mais recente projeto musical chama-se “Playing with Beethoven” e foi uma encomenda feita pela Câmara de Loulé para a comemoração do nascimento de Ludwig van Beethoven. Devido às restrições a que a pandemia obrigou, este concerto foi adiado por dois anos consecutivos, não tendo sido realizado aquando da comemoração dos 250 anos do seu nascimento. Um acordeão, um saxofone, um contrabaixo e um par de gira-discos - foi à luz desta invulgar formação que o legado de Beethoven na passagem dos 252 anos do seu nascimento foi reinventado. Para este projeto pude contar com a colaboração de Daniel Erdmann (sax tenor e soprano), João Barradas (acordeão) e DJ Illvibe (gira-discos). Estou muito feliz com o resultado musical deste grande desafio que me foi lançado. O álbum já está gravado e será editado muito em breve pela Clean Feed.

Tens acompanhado o aparecimento de jovens talentos na cena jazz portuguesa? Como vês a evolução da cena nacional?

Tenho estado a par, dentro dos possíveis, dos jovens super-talentosos que têm surgido na cena musical do jazz e da música improvisada em Portugal. É um facto muito positivo e que por certo será fruto das excelentes escolas que existem em Portugal, assim como da possibilidade dos jovens estudantes de música poderem hoje em dia com relativa facilidade aprofundar os seus estudos no estrangeiro e de tomar contacto com outras realidades musicais.

Que conselhos poderias dar a jovens músicos que estejam a aparecer?

Tal como um atleta que tem de fazer os seus exercícios físicos diários, um músico tem de praticar diariamente a sua criatividade, só assim a inspiração irá chegar. Um músico não deve vestir a pele do instrumento que se toca, pois um bom instrumentista não é automaticamente um bom músico, mas um bom músico será facilmente um bom instrumentista.

  

Para saber (ainda) mais

www.carlosbica.com

Agenda

10 Junho

Imersão / Improvisação

Parque Central da Maia - Maia

10 Junho

O Vazio e o Octaedro

Parque Central da Maia - Maia

10 Junho

Marta Hugon & Luís Figueiredo / Joana Amendoeira “Fado & Jazz”

Fama d'Alfama - Lisboa

10 Junho

Maria do Mar, Hernâni Faustino e João Morales “Três Vontades de Viver”

Feira do Livro de Lisboa - Lisboa

10 Junho

George Esteves e Kirill Bubyakin

Cascais Jazz Club - Cascais

10 Junho

Nuno Campos 4tet

Parque Central da Maia - Maia

10 Junho

Tim Kliphuis Quartet

Salão Brazil - Coimbra

10 Junho

Big Band do Município da Nazaré e Cristina Maria “Há Fado no Jazz”

Cine-teatro da Nazaré - Nazaré

10 Junho

Jorge Helder Quarteto

Fábrica Braço de Prata - Lisboa

11 Junho

Débora King “Forget about Mars” / Mayan

Jardins da Quinta Real de Caxias - Oeiras

Ver mais