Suka Figueiredo, 4 de Abril de 2023

Conexão com a melodia

texto: Nuno Catarino / fotografia: Piu Dip

Saxofonista, compositora e produtora musical, Suka Figueiredo nasceu no Rio de Janeiro e mudou-se para São Paulo. Durante a pandemia começou a compor e, em julho de 2022, editou o seu registo de estreia. O EP “AfroLatina” reúne cinco temas e revela uma música original com groove, liderada por um saxofone sempre ao centro. Estivemos à conversa com a saxofonista brasileira que começa a dar que falar.

 

Ao contrário do que acontece habitualmente, chegou tarde ao instrumento, já na idade adulta. Como descobriu o saxofone?

Sim, minha relação mais intensa com a música e com o sax começou quando eu tinha 26 anos. Eu estava caminhando pelo meu bairro e aos finais de semana acontecia em uma rua fechada um projeto chamado Jazz na Kombi. Este projeto tem a proposta de levar o jazz e a música instrumental para as ruas da cidade. Havia neste projeto um saxofonista tocando e eu fui atraída por aquela energia de tal forma que no dia seguinte fui buscar aulas, em seguida comecei a estudar profissionalmente. Algum tempo depois esta rua ficou conhecida como Viela do Jazz. Acredito que o sax e a música salvaram minha vida, pois quando me conectei com o sax em meados de 2016 eu estava passando por um período muito difícil nos espaços onde eu trabalhava. Por fim o sax me deu o sustento e possibilitou essa mudança para viver da música.

E como descobriu o universo do jazz? Lembra-se quais foram os primeiros discos de jazz pelos quais se apaixonou?

O primeiro disco que me apaixonei e ouvi muito foi o “Ella and Louis” (1956), ouvi incansavelmente e escuto até hoje! “Coisas” de Moacir Santos, “Summit” de Gerry Mulligan e Astor Piazzolla também foram fundamentais na minha trajetória.

Moacir Santos é figura central do jazz no Brasil e também se cruzou com ele. Qual foi o seu impacto no seu percurso?

Acredito que a música de Moacir Santos vai mais além do jazz. Ter conhecido a música de Moacir Santos foi fundamental e decisivo pra mim. É nele que inspiro minhas composições além de minhas vivências pessoais e profissionais. A primeira vez que tive contato com suas músicas foi durante o show do Projeto Coisa Fina no palco do Sesc Instrumental. De lá pra cá venho me aprofundando cada dia mais em sua obra e história. Sua forma de compor e arranjar são únicas. Servem como inspiração e referência para meu trabalho, e tenho a alegria de poder executar várias de suas músicas em meus shows. Moacir Santos ainda é um artista pouco conhecido no Brasil. Muitas vezes dentro de um circuito muito pequeno de música instrumental. Sendo assim, tenho encarado como uma missão levar a música de Moacir Santos para públicos mais amplos.

Que músicos (saxofonistas ou não) reconhece que influenciam a sua maneira de tocar e de criar música?

Sem dúvidas, Moacir Santos em primeiro lugar [risos]. O universo do afrobeat também teve grande influência para mim, como Fela Futi e Kokoroko. Astor Piazzolla e Snarky Puppy fizeram parte desta caminhada também. Recentemente tenho escutado muito o trabalho do baterista Yussef Dayes. Tenho também como referência o trabalho de duas Saxofonistas: Nubya Garcia e Melissa Aldana.

Editou em 2022 o EP “AfroLatina”, que reúne cinco temas. O que representou para si a edição deste disco? 

“Afrolatina” representa a conquista de uma mulher negra dentro da música instrumental brasileira, um espaço historicamente dominado por homens brancos. Também reivindica maior representatividade e pluralidade no mercado da música e espero, a partir de meu trabalho, inspirar jovens instrumentistas a seguir carreira na música instrumental.

Este disco foi concebido durante a pandemia de covid-19, período que foi especialmente difícil para os artistas. Além das discussões sobre representatividade, esse álbum também traz a reflexão sobre como nós brasileiros não nos inserimos e não nos reconhecemos como latinos. Fruto de experiências que vivi na Argentina durante os últimos anos, esse trabalho carrega uma identidade que se propõe a entender o Brasil como parte de uma América Latina.




Que características pretende transmitir com a sua música? 

Penso muito nas minhas músicas como trilhas sonoras e com elas pretendo transmitir inspiração e motivação às pessoas que me escutam. Em minhas músicas, gosto de privilegiar melodias simples, mas não simplistas. Quero que o ouvinte se conecte com a melodia, e que possa até mesmo cantar as frases melódicas, como acontece eventualmente após um show de canções. Além disso, gosto de propor a interação entre o mundo analógico e digital. Minhas músicas trazem elementos da modernidade como beats e synths. 

Historicamente, o saxofone sempre foi considerado um instrumento “masculino”, mas começam a afirmar-se cada vez mais mulheres no instrumento, como Lakecia Benjamin, Nubya Garcia, Camilla George e Melissa Aldana, entre outras. Tem acompanhado o percurso destas saxofonistas?

Melissa Aldana e Nubya Garcia são duas saxofonistas que admiro muito e que me influenciam muito. Acompanho o trabalho delas há alguns anos e me sinto muito representada por elas. É muito importante que nós mulheres estejamos nestes espaços que sempre foram dominados por homens historicamente. A importância e representatividade que estas mulheres tem é fundamental para que no futuro tenhamos mais saxofonistas atuantes no jazz e na música instrumental. 

Sendo uma mulher negra no mundo da música, tem sentido discriminação ao longo do seu percurso?

Não só no mundo da música, mas na sociedade como um todo. No Brasil, este tema é algo que temos discutido muito em função do último governo que tivemos, que fez um grande estrago na cultura e na sociedade brasileira. No mundo musical, não só por ser negra, mas basicamente por ser mulher, já significa que os espaços de atuação e desenvolvimento estão reduzidos e meu trabalho tem a intenção de quebrar estes paradigmas e tornar o universo musical mais igualitária e saudável.

Conhece jazz de Portugal? Conhece algum músico português? 

Conheço muito pouco e estou ansiosa e animada para este intercâmbio com os músicos de Portugal.

Os portugueses conhecem pouco do jazz brasileiro. Que músicos ou discos poderia recomendar para quem queira conhecer melhor?

Recomendo que escutem Moacir Santos e toda sua obra que conheçam mais do universo da música instrumental brasileira. Vale muito a pena. Também indico os seguintes trabalhos com Hermeto Pascoal, “Slaves Mass” e “Vintena Brasileira”. 

Quando a poderemos ver ao vivo em Portugal? Tem planos para tocar na Europa?

Estive em Portugal recentemente, em outubro de 2022, com outro trabalho de que faço parte e fiquei encantada! Tenho muita vontade de voltar com minha banda e poder mostrar um pouco do meu trabalho e da música instrumental brasileira para os portugueses. Até ao momento não temos nenhum convite para ir a Portugal, mas estamos com o passaporte em dia e ansiosos para compartilhar “AfroLatina” ao vivo com vocês!

Em que projetos musicais está atualmente envolvida?

Estou muito empenhada e focada em meu trabalho autoral no momento, trabalhando para que meu som chegue ao máximo de pessoas possíveis ao redor do mundo. Também trabalho com produção de outros artistas e trilhas sonoras.

Que projetos tem planeados para os próximos tempos?

Tenho vontade de fazer uma turnê pela Europa e levar um pouco da minha música para o velho continente. Isto está nos meus planos futuros. Compartilhar e trocar novas experiências sonoras com o público europeu está nos meus planos futuros. Além disso, sigo compondo e me organizando para a gravação de um novo single para este ano e um novo álbum para 2024.

 

Agenda

10 Junho

Imersão / Improvisação

Parque Central da Maia - Maia

10 Junho

O Vazio e o Octaedro

Parque Central da Maia - Maia

10 Junho

Marta Hugon & Luís Figueiredo / Joana Amendoeira “Fado & Jazz”

Fama d'Alfama - Lisboa

10 Junho

Maria do Mar, Hernâni Faustino e João Morales “Três Vontades de Viver”

Feira do Livro de Lisboa - Lisboa

10 Junho

George Esteves e Kirill Bubyakin

Cascais Jazz Club - Cascais

10 Junho

Nuno Campos 4tet

Parque Central da Maia - Maia

10 Junho

Tim Kliphuis Quartet

Salão Brazil - Coimbra

10 Junho

Big Band do Município da Nazaré e Cristina Maria “Há Fado no Jazz”

Cine-teatro da Nazaré - Nazaré

10 Junho

Jorge Helder Quarteto

Fábrica Braço de Prata - Lisboa

11 Junho

Débora King “Forget about Mars” / Mayan

Jardins da Quinta Real de Caxias - Oeiras

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