Planos A até ao fim
Este é o ano de todas as efemérides para Mário Delgado (n. 1962). Para além de completar 60 anos de vida (no dia 21 de outubro), o músico assinala também o vigésimo aniversário da edição de “Filactera”, o seu primeiro (e único) registo discográfico em nome próprio, com selo de uma Clean Feed ainda a dar os primeiros passos. Tornou-se num dos discos mais marcantes da história do jazz nacional, de todas as eras.
“Filactera” (termo que designa a cinta ou banda que aparece com frequência na pintura e escultura na Idade Média,, onde se escreviam frases ou legendas referentes à personagem que a segurava na mão ou, mais recentemente, o espaço que contém o texto das falas das personagens na banda desenhada) nasceu de uma encomenda feita ao guitarrista pela CulturPorto para o IX Festival de Jazz da cidade em 2000. Nesta fantástica aventura musical pelo mundo da BD, é acompanhado pelo saxofonista Andrzej Olejnikzak, o trombonista Claus Nymark, o contrabaixista Carlos Barretto e o baterista Alexandre Frazão. A inspiração foi colher a autores tão díspares como Uderzo e Goscinny, Hergé, Godard, Will Eisner, Robert Crumb, Gilbert Shelton, Hugo Pratt, Manara ou Bilal.
Mário Delgado nasceu casualmente em Águeda, mas sempre viveu na área de Lisboa. É na Escola de Jazz do Hot Clube de Portugal que iniciou estudos musicais nas classes de Zé Eduardo e David Gausden. A guitarra clássica também estava no centro dos seus interesses, tendo sido aluno de José Peixoto e Piñero Nagy na Academia de Amadores de Música. Na primeira fase do seu percurso, integrou grupos liderados por Gausden, Carlos Martins, Maria João e Naná Sousa Dias, tendo igualmente tocado com diversos músicos estrangeiros de passagem por Portugal. O contacto, em seminários e workshops, com músicos como Bill Frisell, John Abercrombie, Barney Kessel, Kenny Burrel, David Liebman, Gary Burton, Jimmy Giuffre, Steve Lacy, Derek Bailey ajudaram a rasgar horizontes.
Estas múltiplas colaborações permitiram-lhe estruturar uma personalidade musical peculiar, versátil e aberta a diferentes influências, do jazz à música popular, passando pelo rock e por terrenos mais exploratórios, desenvolvendo uma abordagem inovadora que faz dele um dos mais requisitados músicos nacionais. O rol de parcerias com músicos portugueses é virtualmente infinito: José Mário Branco, Mário Laginha e Maria João, Jorge Palma, Janita Salomé (de quem foi diretor musical), Lua Extravagante, Resistência, Mafalda Veiga, Anamar, entre incontáveis outros.
Em 1989 participou no 2.º Festival de Jazz na Cidade (Lisboa), e no ano seguinte na Bienal de Marselha para jovens artistas mediterrânicos, com o grupo Zê-de-Zastre. Ao longo da década de 1990 trabalhou regularmente com o seu trio. Com o guitarrista José Peixoto e o percussionista José Salgueiro, fundou em 1992 um outro trio, com o qual gravou “Taifa” (1993), explorando sonoridades ligadas às tradições árabes e mediterrânicas. Apresentou-se com a Companhia de Dança de Almada no bailado “Vozes Caladas”. É peça fundamental nos trios do contrabaixista Carlos Barretto, em álbuns como “Suite da Terra” (1998), “Radio Song” (2002), “Lokomotiv” (2003) ou “Labirintos” (2010). Com o tubista Sérgio Carolino e o baterista Alexandre Frazão fundou o projeto TGB (Tuba, Guitarra e Bateria), grupo de configuração instrumental inusitada que apresenta uma fusão idiossincrática de referências, tendo já editado os álbuns “Tuba, Guitarra & Bateria” (2004), “Evil Things” (2010) e “III” (2019), todos na Clean Feed - o quarto tomo está no prelo. Tem também colaborado de forma regular com o contrabaixista Carlos Bica e é fundador dos Led On, banda de tributo aos Led Zeppelin.
Para além de toda esta intensa atividade, Mário Delgado tem igualmente desenvolvido trabalho docente, na Escola de Jazz do Hot Clube de Portugal e nos seus cursos itinerantes, na Escola de Jazz do Barreiro, no curso de jazz da Academia de Amadores de Música, em Lisboa, e na licenciatura em Jazz da Universidade de Évora.
Uma jornada apenas aflorada em longa conversa com a jazz.pt.
Fazes 60 anos em outubro. Uma vida dedicada à música, mas teremos tempo adiante para os balanços... Interessa agora saber o que queres fazer daqui para a frente…
Não ligo muito aos anos a passarem, mas eles vão passando e eu vou tentando todos os dias fazer sempre melhor, neste caso pelo menos em relação à música.
Tendo sido editado em 2002, “Filactera” faz 20 anos. Passado este tempo, o que representa para ti este álbum?
Curiosamente já não o escutava há algum tempo, confesso que gosto mais hoje com esta distância do que naquela altura em que tudo estava demasiado presente.
O que é absolutamente bizarro é que este é o teu único disco de originais. Porquê?
Este grupo fez bastantes concertos, antes e depois de o disco ter sido editado. Na altura era um grupo grande, não tão portátil como um trio e por isso fechei o ciclo e comecei a focar-me mais na génese do trio TGB com o Alexandre Frazão e o Sérgio Carolino que ainda existe nos dias de hoje e está caminho do seu quarto disco. Por outro lado, continuei sempre a tocar com outro trio que já caminhava antes do “Filactera” que é o trio do Carlos Barreto (aka Lokomotiv) que também continua ativo até aos dias de hoje.
Mas está nos teus planos editar um novo disco em nome próprio?
Há uma parte de mim que diz que sim, a ver se outra parte também chega a acordo... Pelo menos quero fazer um disco só com guitarra.
Recordas-te do processo de preparação do disco? Guardas na memória alguns episódios especiais dessa altura?
O processo que aludiu à criação do "Filactera" decorre de um convite feito pela CulturPorto e pelo Pedro Guedes para um concerto com reportório inédito a estrear no Festival de Jazz do Porto. Portanto quando tudo começou eu pensava primeiro num concerto para um Festival de Jazz e não num disco. Na altura tive bastante tempo disponível para a criação da música, se bem que no início a primeira ideia que me surgiu viria a ser o tema “I’m a Poor Lonesome Cowboy” afigurava-se como uma proposta bastante inútil pois não me parecia a "jazz" e soava-me assim com uma hipotética música de cowboys que me remetia para o herói de BD Lucky Luke. Nesse dia estava a dar aulas na Escola de Jazz do Barreiro e tinha como aluno de guitarra(!) o hoje brilhante contrabaixista João Custódio e assim no princípio da aula usei-o como consultor/cobaia musical e toquei-lhe a música, indagando-o se aquela música fosse sobre BD a qual hipotético herói ela se referiria? Ele respondeu-me prontamente que era o Lucky Luke. Assim fiquei com o mote para a construção do concerto, o que na altura foi muito importante para me libertar de convenções musicais e de estéticas musicais e focar-me mais num sentido extra musical. Relacionei os heróis/autores de BD como um simples set list de um concerto de jazz. O Hugo Pratt deu-me a Balada “Corto Maltese”, o Gilbert Shelton um blues, “Blues dos Freak Brothers”, o Hergé um tema com um compasso impar “Sete Bolas de Cristal", o Edgar Pierre Jacobs um “Fast Tempo” “Armadilha Diabólica” e assim sucessivamente todos os heróis foram-me visitando.
O disco busca inspiração no vasto universo da BD. Queres falar-nos um pouco da tua relação com a nona arte? Era algo que já vinha de trás, mantém-se hoje?
Eu desde a minha infância fui um grande consumidor de BD, o meu pai comprava sempre o Tintin português e eu acompanhei através dos fascículos a evolução da banda desenhada franco-belga, mais tarde através do meu irmão acompanhei a génese da revista À Suivre e toda essa nova geração de criadores. O nome "filactera" vem de uma história que aparecia no Tintin português que se chamava “A Filactera Domesticada” de Verli, na qual a comum Filactera era a personagem principal.
A propósito de “Filactera”, disseste em certa ocasião: «Esta é a tentativa de fazer música com as emoções que eles [autores, personagens, histórias de BD] me ofereceram, como se esta estivesse escondida no espaço mágico que separa uma quadrícula da seguinte, por vezes como se tratasse de uma banda sonora por outras, como o retrato das emoções emblemáticas do autor, da sua personagem, história ou imagem.» Há autores ou personagens mais “fáceis” de musicar, se quiseres, do que outros? Como se processa isto na tua cabeça?
O que queria dizer era mostrar que o lado mágico da banda desenhada está no espaço de tempo em que ligamos uma quadrícula à próxima, essa ligação que pode acontecer em ínfimos instantes traduz um dos estados imaginários mais puros que existe. Para a ligação à música tive de ir mesmo aí que é onde está todo o movimento das personagens e a velocidade das histórias e também o lado mais subjetivo de cada leitor que lê e imagina a história.
Tens algum(a) personagem favorito(a)?
Os meus personagens favoritos são aqueles que estão sempre a esconder alguma coisa e que não têm uma forma de pensar muito transparente. O primeiro que conheci assim deve ser o Corto Maltese.
Os universos da BD e do jazz estão há muito associados, através do trabalho de muitos autores de referência. Nesta intersecção há alguém que aprecies particularmente?
Por acaso nunca estive muito atento a banda desenhada que se cruzasse com os caminhos do jazz, para além do Gilbert Shelton e os seus heróis que se movem em mundos próximos do jazz, já agora acrescento que o Gilbert Shelton escutou o “Blues dos Freak Brothers” e gostou! Mas gosto muito do livro do José Carlos Fernandes “A Pior Banda do Mundo apresenta o Quiosque da Utopia”.
Nada é garantido
Vamos dar corda à máquina do tempo. Nasceste em Águeda. Havia música na tua primeira infância ou antecedentes musicais na tua família?
Eu nasci em Águeda casualmente porque os meus pais estavam a passar uns dias de férias em Águeda, mas nunca lá vivi. Vivi sempre em Lisboa ou na linha de Cascais. A minha mãe sabia tocar piano e a minha tia Berta Rosa Delgado era pianista clássica ao mesmo tempo que geria o hotel da família no Luso, vinha por vezes tocar a Lisboa na Emissora Nacional.
Tens memória das circunstâncias em que descobriste o jazz?
O meu pai gostava muito de jazz, sobretudo Louis Armstrong e Charlie Parker e tinha uns poucos discos que escutava frequentemente. Lembro-me de ouvir sempre o “Relaxin´ at Camarillo” do Parker e achar sempre uma música muito estranha. Comecei desde cedo a ouvir música, como nasci nos anos sessenta e os meus irmãos eram bastante mais velhos do que eu, ouvia sem saber coisas como Beatles, Stones, Dylan, Donovan, John Mayall, Hendrix, Janis Joplin, Peter Green’s Fleetwood Mac enquanto brincava, também alguma música francesa e o já referido jazz consumido pelo meu pai. Quando comecei a escutar música por minha própria iniciativa fiquei fascinado porque muitas das músicas já as conhecia sem saber bem porquê e esse era talvez o meu mote para querer conhecer muita música, o de descobrir sons que já estavam entranhados dentro de mim sem saber muito bem porquê.
Porque escolheste a guitarra? Terá sido, como em muitos casos, o impulso do rock?
Sim, o som da guitarra elétrica no início da descoberta da música, era tudo o que queria ouvir desde as músicas dos Beatles ao Jimi Hendrix, era como se não existisse uma outra opção. Mas tudo mudou bastantes anos mais tarde no início dos anos 80, quando num programa de TV do Júlio Isidro vi um duo de guitarras de jazz com os guitarristas Fredo Mergner e Toni Peixoto, nessa altura já tocava guitarra, mas não percebia como soava a guitarra no jazz (não era muito fácil arranjar discos nesse tempo...). Esse momento foi a revelação de ouvir sons/harmonia/escolha de notas que não estava habituado a ouvir até então por uma guitarra e também a destreza rítmica dos dois músicos, foram estes dois pontos que me marcaram mais.
Repartes-te entre a guitarra elétrica, a guitarra acústica, o dobro… Tens preferência por algum destes instrumentos?
Essas várias variações do instrumento guitarra permitem-me tocar de uma outra forma e ocupar outros espaços na música sem necessitar de aprender um instrumento diferente. São variações do meu instrumento que me permitem ser personagens diferentes.
Queres destacar alguns episódios no teu processo evolutivo enquanto músico que tenham deixado marca perene?
Uma vez com o Carlos Barretto e o José Salgueiro fizemos um concerto todo improvisado que correu mesmo muito bem, no concerto seguinte tentámos o mesmo, mas já não foi a mesma coisa apesar de ter sido um bom concerto. A música (improvisada) é assim, por muito que nos preparemos nunca vamos estar completamente preparados e nada nos é garantido.
Que referências, musicais e outras, consideras fundamentais para hoje seres quem és?
Sobretudo escutar muita música diferente e ter fome de procurar coisas novas que ainda não conheço.
A tua abordagem à música é vincadamente aberta e eclética. Como geres as contaminações cruzadas entre os diferentes universos em que te movimentas, do jazz ao rock, passando pela música popular?
Uma das minhas características que se mantém ao longo de muitos anos é a de que quando tenho de fazer uma gravação e criar uma parte para o meu instrumento, ou ainda preparar uma música para tocar num ensaio ou concerto, é a de sacudir-me sempre uma vontade mais forte de tentar fazer algo que nunca fiz anteriormente, esta premissa pode revelar-se de muitas formas, por exemplo, usando um instrumento que nunca usei naquele contexto, ou de um som/timbre fora do comum, uma afinação diferente, uma técnica pouco comum, em um efeito sonoro diferente, ou até apenas pelo uso de um voicing de um acorde que nunca usei. Claro que muitas vezes essa ideia por ser demasiado inusitada é abortada ao fim da primeira tentativa, por isso há sempre um plano B acautelado pelos anos de experiência. Na verdade, no entanto, o acumular de muitas experiências refinou a minha capacidade de levar muitos planos A até ao fim.
A chamada “tradição” do jazz tem, no presente, algum peso na tua música? Revisitar standards é algo que te estimula criativamente? E os blues?
Sim, eu ouvi muito a tradição do jazz e estudei-a e ainda estudo, mas estou sempre a subvertê-la para como me pede o Carlos Barretto – «tenta tocar algo que nunca foi tocado...» Os blues ou o que entendemos como um estado hipnótico ou de transe que existe em muitos estilos de música serão a razão primordial de eu ser músico e estarão sempre presentes.
Quanto a guitarristas de jazz, quais são as tuas principais referências? Sei de Bill Frisell…
Eu ouvi muitos guitarristas no jazz nomeadamente o Bill Frisell, assim como o Ralph Towner, o Jim Hall, o John Scofield, Pat Metheny e John McLaughlin. Hoje em dia percebo bem porque gosto particularmente de cada um, apesar de hoje em dia ouvir mais músicos de outros instrumentos. Mas também cresci musicalmente a ouvir os guitarristas portugueses (ou que passaram por aqui) porque eram os meus pares e eram assim como uma espécie de um espelho mais próximo da minha realidade, aqui pela ordem em que foram entrando na minha vida: Pedro Madaleno, António Pinto, Sérgio Pelágio, Bruno de Almeida, Luís Stofel, Fredo Mergner, José Neves, Toni Peixoto, João Maló, José Peixoto, Mário Barreiros, Carlos Araújo, Rui Veloso, Armindo Neves, Lino das Neves, Toni de Sousa, Francisco Xavier, Eddie Goltz, Tommy Halferty, Vítor Rua, Júlio Pereira, José Tavares, Filipe Mendes, Miguel Fevereiro, Rui Luís Pereira, José Carrapa, Alexandre Manaia, Tahina Rahary, Flak, Luís Moreno, Pedro Jóia, Vasco Agostinho, Luís Fernando, Aires Ramos, Paulo Pinto, Eduardo Miranda, Miguel Mascarenhas, Vasco Vaz, Nuno Rafael, José Soares, Nuno Rebelo, João Cabeleira, Frank Mobus. Mais tarde o Nuno Ferreira, André Fernandes, Afonso Pais, Bruno Santos, Ricardo Pinheiro, Nuno Costa, Francisco Pais, André Matos, Francisco Abreu, Tuniko Goulart, Tó Trips, Peixe, João Alves, Cláudio César Ribeiro, José Carlos Matos, Manuel Oliveira, Miguel Martins, André Santos, Luís Lopes, Richard Okkerse, João Firmino, Mané Fernandes, Miguel Moreira, Hugo Trindade, Pedro Miranda, Daniel Neto, Francisco Sales, Vítor Guerreiro, João Freitas, Luís Martins, Gonçalo Neto, João Roque, Ricardo Barriga, Pedro Branco, Pedro Vidal, Bruno Pernadas, Marco Reis, Tiago Oliveira, Pedro Joaninho, Jorge Loura, Manuel Rocha, Budda Guedes, Ricardo Rogagels, Francisco Neves, Eduardo Faustino e Bruno Ponte.
No rock, já lá vamos, admito que Jimmy Page…
Uma das razões primordiais de eu tocar guitarra será o Peter Green que era o guitarrista dos primeiros Fleetwood Mac que é um dos meus "santos" que poderei ouvir sempre pelo menos uma vez por semana. Mas também o Hendrix que foi uma espécie do John Coltrane do rock, o Jimmy Page sobretudo pelas suas influências C.I.A. (Celtic, Indian, Arabic) e o Robert Fripp por criar portais. Mas há também sempre a Joni Mitchell! Pelo menos duas vezes por ano oiço o “Machine Gun” a volumes recomendados naqueles discos antigos de vinil e descobri este ano o "Blue" [de 1971] da Joni Mitchell, que é talvez um dos mais bonitos e melhores discos de sempre.
Em que pé está o projeto Led On, grupo de tributo aos Led Zeppelin?
Os Led On foram uma espécie de universidade onde estudei rock com o Jimmy Page. Continuamos sempre a tocar, já tocamos há mais tempo que os próprios Led Zeppelin.
Com o guitarrista José Peixoto e o percussionista José Salgueiro gravaste o notável “Taifa”, lançado em 1993, no qual se aventuram por sonoridades árabes e mediterrânicas, tão basilares para a tradição musical portuguesa. É uma área que te continua a interessar?
Sim, tocar com o José Peixoto e com o José Salgueiro foi e será sempre uma grande aprendizagem sobretudo por serem músicos únicos que se podem mover em caminhos da música improvisada e portuguesa tão distantes do jazz em que eu me situava naqueles tempos.
O projeto TGB (Tuba, Guitarra e Bateria) apresenta não apenas uma configuração instrumental inaudita, mas sobretudo uma abordagem especial, com originais e leituras inovadoras de temas alheios. Há planos para trabalhos futuros?
Sim, em breve irá sair o disco “IV”.
Há outros músicos com quem manténs relações musicais especiais – Carlos Barretto, Carlos Bica, Mário Laginha, Maria João, Laurent Filipe, entre outros. Há novas ideias para os projetos já existentes ou para novos trabalhos em conjunto?
É sempre uma experiência memorável trabalhar com esses músicos incríveis que mencionaste e outros com que também partilho momentos muito especiais, esperemos que possam existir mais algumas colaborações apetecíveis. Entretanto o trio Lokomotiv irá tocar em Grândola no dia 25 de novembro e também irei tocar em duo com o saxofonista Carlos Martins no dia 6 de novembro no Museu do CCB e no dia 29 de Novembro na Covilhã com o Sexteto do Bernardo Moreira, o grupo que gravou o disco “Entre Paredes”. Também saiu há pouco tempo o disco “Hundred Umbrellas” em que participei do saxofonista José Menezes sobre a música de Erik Satie e em breve vou gravar no novo projeto do trombonista Lars Arens. Também participei no novo disco do saxofonista Desidério Lázaro, “Oblivion”.
Sei da tua admiração por David Bowie: “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars” ou “Aladdin Sane”?
O Bowie é uma espécie do Miles Davis no rock, construiu mundos diferentes que nunca hesitou em derrubar para construir tudo de novo outra vez. Esses dois discos são da época com o guitarrista Mick Ronson que é uma das minhas favoritas, mas o meu disco de eleição dessa época é o “Hunky Dory”, talvez porque o tenha escutado muito.
O teu trabalho sempre se tem espraiado por múltiplos e distintos projetos. Estás envolvido em alguma coisa nova que queiras destacar?
Para já estou ocupado a terminar o disco dos TGB e a escrever alguma música nova, mas espero que possam acontecer mais coisas.
Também tens dedicado muito tempo ao ensino. O que consideras ser a quintessência que deverá ser transmitida aos alunos?
Talvez o aluno ser autossuficiente, encontrar o seu próprio caminho e ter a sua própria voz.
Encontrarás decerto muitas diferenças, em termos da quantidade e qualidade de músicos de jazz, relativamente ao momento em que encetaste a tua atividade profissional…
Sim felizmente há muitas diferenças e quase todas para melhor. A qualidade dos músicos está muito acima da que eu tinha no início quando comecei a tocar profissionalmente. Uma das razões é o incremento dos meios de ensino (Conservatórios, Cursos Profissionais, Universidades) e a música também poder chegar mais democraticamente a toda a gente.
O já mencionado Bill Frisell disse em entrevista: «De muitas maneiras, sinto o mesmo agora quando toco do que senti na primeira vez em que peguei no instrumento.»
Essa é a razão mais forte e bela para se ser sempre músico, a sensação de que tudo ainda está por descobrir apesar de todo o caminho percorrido. É preciso trabalhar muito para se sentir isso todos os dias e ter a noção completa da nossa enorme pequenez em relação ao entendimento do que é a música.
Mário, finalmente: que balanço fazes destes (quase…) sessenta anos de vida?
Não sou muito de balanços, mas o mote é tentar sempre que a última tentativa seja melhor que a anterior... E com isto de balanços é melhor sempre esperar que o barco se incline para o lado menos perigoso do mar, se bem que por vezes se deva escolher o lado mais aventureiro...
Para saber mais:
http://mariodelgadooficial.blogspot.com/