Fascínio pelo ritmo
O jovem pianista Vasco Pimentel acaba de editar o seu disco de estreia, “Walkabout”, através da editora norte-americana Odradek Records. Gravado em trio com Rodrigo Correia (contrabaixo) e Diogo Alexandre (bateria), o álbum é um interessante cartão de visita de um músico que é herdeiro de uma longa linhagem artística. A jazz.pt esteve à conversa com o pianista Vasco Pimentel.
Como chegaste ao jazz e ao piano?
Comecei com as primeiras aulas de piano por volta dos quatro anos de idade. Os meus pais estão ambos ligados à música (o meu pai é afinador e técnico de pianos e a minha mãe professora de música) e sempre me incentivaram a ouvir música, a tocar e a ir a concertos. Lembro-me de ir muitas vezes a concertos no “antigo” Hot Clube com os meus pais (ainda era eu pequeno), esse talvez tenha sido o meu primeiro contacto com o jazz ao vivo. Entretanto estudei piano clássico no Instituto Gregoriano de Lisboa com o professor Martin Gerhadt, onde completei o 8.º grau. As primeiras aulas de jazz que tive foram nas primeiras edições da Lisbon Jazz Summer School no CCB, por volta dos catorze anos de idade, onde conheci também alguns dos meus colegas com quem toco hoje em dia. Tive como professores Ana Araújo, Gonçalo Marques, Nélson Cascais e Claus Nymark, que marcaram muito a minha aprendizagem do jazz. Tive também aulas particulares com a Paula Sousa. Penso que foram estes cursos de verão que despertaram o meu interesse e paixão pelo jazz e pela música improvisada, entrando mais tarde na Escola de Jazz Luiz Villas-Boas e depois na Escola Superior de Música de Lisboa [ESML] onde fiz licenciatura e mestrado em piano jazz.
Quem foram as primeiras influências no piano?
As minhas primeiras influências no piano foram Bernardo Sassetti e Keith Jarrett.
Aqui em Portugal há três figuras incontornáveis do piano jazz: Mário Laginha, João Paulo Esteves da Silva e (já referido) Bernardo Sassetti. Qual a tua relação com a música de cada um deles?
Sou um grande fã de todos eles e sinto que me influenciaram muito. Lembro-me de ir a um concerto do Sassetti e gostar tanto que depois quando chegava a casa ia logo para o piano tentar tocar aquilo que tinha ouvido. Penso que era do seu álbum “Ascent”, por isso eu devia ter uns onze anos de idade. A música do Mário Laginha influenciou muito a minha forma de compor e o meu conhecimento harmónico. O João Paulo Esteves da Silva, para além de ter sido meu professor durante cinco anos na ESML, é uma grande inspiração e para mim uma das maiores referências na música improvisada.
Em que momento da tua evolução percebeste que a música era para levar a sério? Consegues assinalar qual foi esse momento?
Sim, penso que foi aos dezassete anos que decidi que queria mesmo ser um pianista profissional, nessa altura estava ainda na escola do Hot Clube.
Acabas de lançar o álbum “Walkabout”. O que representa para ti este disco de estreia?
Este disco representa para mim tudo aquilo para o qual trabalhei estes anos todos, como se cada momento da minha vida musical viesse dar aqui. É esta ideia de viagem de auto-descoberta que está representada em “Walkabout”. Estou muito contente com o resultado.
Como foi o processo de composição dos temas deste disco?
Todos os temas, com exceção do último, surgiram de improvisações e brincadeiras ao piano sozinho em casa, que foram gravadas com o telemóvel e depois trabalhadas e arranjadas. Acabam por ser pequenas ideias gravadas que depois são desenvolvidas e pensadas para o trio com contrabaixo e bateria. Na verdade, o “Espaço” foi talvez a única que surgiu mesmo da minha “cabeça” e da minha imaginação, sem estar ao piano. Eu tenho um grande fascínio pelo ritmo, polirritmos e ilusão rítmica. Este último conceito pude desenvolver durante o meu mestrado e acabei por utilizá-lo em quase todos os temas do disco. A ilusão rítmica joga com as expectativas dos ouvintes, ou seja, cada um pode sentir o ritmo, o tempo ou o compasso de forma completamente diferente de outra pessoa. É como naqueles desenhos de ilusão de ótica: há quem veja um vaso e há quem veja duas faces de perfil. As minhas composições apesar de estarem escritas têm também muitas partes completamente improvisadas, onde tentamos apenas deixarmo-nos levar uns pelos outros e pela música.
Porque escolheste trabalhar em trio de piano?
Primeiro, porque é a formação onde me sinto melhor a tocar, onde a música flui com maior naturalidade, onde me sinto mais “eu”. Em segundo lugar porque o trio de piano é a formação de instrumentos que mais gosto de ouvir, ainda hoje. A maioria das minhas grandes referências são trios de piano.
E porque especificamente escolheste trabalhar com Rodrigo Correia e Diogo Alexandre? Que características é que eles te dão?
Acho o Rodrigo e o Diogo músicos extraordinários e com um “som” e uma musicalidade muito próprios. Para além disso entendem-nos bastante bem, quer a nível musical, quer pessoal. São ambos bons improvisadores, criativos, têm um grande sentido de ritmo e sensibilidade musical, para além de muitas outras qualidades. Considero estas características muito importantes para a minha música. Por exemplo, no primeiro tema do disco, “Walkabout”, existe um momento no final do solo de piano em que fazemos todos uma colcheia a menos sem combinação prévia. O tema tem 15 tempos (7+8) durante toda a música, mas naquele momento fizemos 14,5 tempos os três ao mesmo tempo porque de alguma forma a música estava mesmo “a pedir” que assim fosse e nós todos sentimos isso. É por estes pequenos momentos que eu escolho trabalhar com músicos como o Rodrigo e o Diogo.
O disco “Walkabout” tem como imagem de capa a icónica “Casa Branca” de Raul Lino nas Azenhas do Mar, um marco da arquitetura portuguesa. Podes explicar a tua ligação à casa?
Raul Lino é meu… trisavô, se não me engano. A “Casa Branca” pertence à minha família e eu passei lá férias todos os anos da minha infância. Tenho muitas memórias boas dos tempos que lá passei.
A tua família tem, desde longe, ligações à música e às artes. Sentes que essa ligação contribuiu para definir o teu trajeto artístico?
De certa forma acho que sim, mas não de forma consciente. O facto de haver muitos músicos e arquitetos na minha família nunca foi para mim uma razão para eu seguir o mesmo caminho, mas a verdade é que sempre foram as duas áreas que mais me fascinavam e para as quais eu tinha jeito. Deve ser dos genes de família.
Depois de encerrado este primeiro capítulo, o que poderemos esperar a seguir do trio?
Espero continuar a trabalhar com este trio, está nos meus planos. Se for um segundo disco será certamente algo bastante diferente, tenho muitas ideias que quero explorar. Para já vamos ter alguns concertos, nomeadamente no QuebraJazz a 19 de Agosto.
Já pensaste em desenvolver trabalho a solo?
Já pensei sim e vai certamente acontecer, mas não para já.
Além deste trio, em que outros projetos tens estado envolvido e tens planeados?
Tenho um projeto em duo com a cantora Filipa Franco, chama-se Fiasco (Filipa+Vasco). Tenho também um duo com o tablista Niraj Singh (piano e tablas) chamado Jugalbandish. Toco na banda da Inês Pimenta, que lançou o seu EP “Son of Daedalus”, e faço parta da banda Alice Ruiz, que lançou há uns meses o seu single “Tango in December”. Neste momento estou também a escrever e interpretar música para a peça de teatro “Une Histoire Bizarre” do meu colega Sebastião Martins. É uma peça com migrantes e refugiados de nove países diferentes, onde podem contar as suas histórias. Penso que em julho vamos ter mais um espetáculo.
Fazes parte de uma nova geração (sub-30) de músicos que estão a aparecer e afirmar-se rapidamente na cena jazz nacional. Como vês estes músicos que estão a surgir? Quem destacarias?
Sim, há cada vez mais jovens talentosos na cena do jazz nacional, acho ótimo claro. Destaco o saxofonista Tomás Marques pelo seu talento.
O que poderemos esperar no futuro?
O meu plano agora é adicionar um sopro ao trio e escrever música para quarteto, mais novidades em breve. Normalmente não faço grandes planos a longo prazo mas acho que podem esperar por diferentes “Vascos” ao longo dos próximos anos, até noutros estilos de música.