Voos mais altos
De origem brasileira e residência no Porto, Gileno Santana vem ganhando uma especial projecção internacional. Em Setembro virá o justo reconhecimento do trabalho que vem realizando, com a sua inclusão no programa do Festival of New Trumpet Music. Gileno Santana estará, em Nova Iorque, entre os mais inovadores músicos dedicados ao trompete do planeta. A jazz.pt quis saber mais.
Em Setembro vais actuar no festival FONT – Festival of New Trumpet Music. Como surgiu a oportunidade de tocar no maior festival de trompete contemporâneo do mundo?
Surgiu depois de o “staff” do FONT ter começado a seguir-me no Instagram. Essa equipa, que está espalhado por todo o mundo, tendo Dave Douglas como director, fez-me uma proposta para participar este ano. O “staff” do FONT realiza um estudo minucioso sobre o que se faz de interessante e de diferente com o trompete hoje em dia e a minha forma particular de tocar chamou-lhe a atenção. Vou ter o prazer de fazer o encerramento do festival com o meu trio, que integra os músicos americanos Philip Norris, no contrabaixo, e Domo Branch, na bateria, músicos que estão a dar cartas neste momento em Nova Iorque.
O que poderemos esperar dessa actuação? O que será apresentado ao vivo?
Iremos tocar composições minhas. Três delas já foram gravadas com Marcos Cavaleiro e Demian Cabaud numa sessão “one take” –gravámos em fita 8mm e está bem interessante. Respondendo à pergunta: podem esperar algo de novo, fresco e inovador. A minha abordagem enquanto criador passa muito por uma linguagem que não é somente trompetística, muito por conta das influências que tenho de Lennie Tristano, Lee Konitz e Warne Marsh, desvirtuando aquilo que já estamos habituados a ouvir nos meios do trompete. Esta experiência de tocar em trio sem instrumento harmónico é incrível, pois posso explorar o mundo de combinações harmónicas que está dentro da minha cabeça. É esta linguagem moderna e diferente que tenho vindo a solidificar e que funciona muito bem nesta formação. O meu concerto será no Brooklyn Conservatory e os “workshops” serão na The New School.
Que ligação tens com a música de Dave Douglas?
Conheço o Dave há bastante tempo. Adoro um disco dele em particular, que se chama “The Infinite”. Sou um admirador do seu percurso. O Dave é daqueles casos únicos que nunca passam de moda. E porquê? Porque é autêntico! Adoro isso num artista: ouvir uma nota e identificar o seu vibrato, os fins de frase e as formas de se expressar… Ele me fascina verdadeiramente, até porque é bastante eclético, tal como eu. Ter sido uma escolha dele só me enche de orgulho, pois significa que também viu qualquer coisa de especial em mim.
Em que projectos estás actualmente envolvido?
Posso dizer que tenho projectos para todos os gostos. “Inevitável" (música tradicional brasileira) com o violonista Henrique Neto, “Ciranda” (música tradicional portuguesa) com a acordeonista Inês Vaz, “Gileno Santana Trio” (jazz contemporâneo) e “Metamorfose” (jazz-rock). Todos eles têm registos nas plataformas digitais.
O disco “Metamorphosis” foi muito elogiado. Para quando um novo disco?
Nesse aspecto penso um bocado como a corrente do mercado: o meu computador, o meu carro e o meu aparelho de som não têm mais entrada para CD. Opto sempre por pôr singles e EPs nas redes sociais e no Bandcamp, de maneira faseada para o público ir conhecendo o meu trabalho. Quando aparecer alguma proposta que o justifique, tenho material para formar um CD, com a benesse de a música já ser aceite. O Procards também foi uma óptima opção, tenho vendido bastaste em concertos.
Acabaste de publicar online, no Bandcamp, um novo tema do projecto Metamorfose, "Pensamento Positivo". Que ideias traz esta música?
Esse tema, lá está, é um single do projecto Metamorfose. Para esta música quis trabalhar com um produtor, para não ter qualquer tipo de sentimentalismo com aquilo que é meu. Trabalhar com um produtor ajudou-me a sair fora da caixa, aprendi muito. João André é uma das cabeças mais incríveis que conheci nos últimos tempos, um produtor com uma vasta experiência no mundo da pop, responsável por grandes “hits” que ouvimos hoje nas rádios. Quis ter esse toque nesse tema em específico.
Estiveste ligado muitos anos à Orquestra Jazz de Matosinhos. Essa ligação ainda se mantém? Tens colaborado com outras orquestras?
Foram 10 anos de muito aprendizado em que tive a oportunidade de trabalhar com os meus heróis, Lee Konitz, Maria Schneider, Chris Cheek, Fred Hersch, Carla Bley, entre outros… No papel de “lead trumpet” consegui dar o melhor de mim e isso foi bom para elevar o nome da orquestra e para a minha carreira. Chega uma hora em que queres ter a tua liberdade e, quando chega esse momento, precisas de ter coragem para sair da tua zona de conforto e alçar voos mais altos. Foi isso que fiz. Fui convidado recentemente para regressar à orquestra a fim de fazer um programa com compositores brasileiros, mas infelizmente não pude aceitar, por conta da minha agenda. Tenho colaborado como solista com orquestras da Suíça, da Alemanha, da Austrália e da Colômbia.
Em que parcerias e colaborações tens estado envolvido?
Tenho o projecto Egli-Santana Group (Suíça), que em 2014 ganhou o primeiro lugar no concurso Bejazz14. Com o PoL0 (Itália) fiz uma “tour” com mais de 30 datas pela Itália. Estou no octeto de Nelson Cascais e no Omniae Ensemble de Pedro Melo Alves, vencedor Prémio de Composição Bernardo Sassetti. No ano passado estive a dar aulas na James Morrison Academy da Austrália e fiz uma digressão pela Polónia, pelo Japão e pelo Brasil. Tenho andado um pouco pelo mundo. Essa é a minha vida, basicamente.
Que discos e artistas (editados mais recentemente) te têm entusiasmado?
Por conta de gostar demasiado do passado, tenho alguma dificuldade em me entusiasmar por coisas feitas recentemente, mas gostei muito do disco “Caravanas” de Chico Buarque. É o Chico sendo Chico. Adorei ouvir o som do novo disco de João Barradas: os discos de jazz nacional começam a ter um som com qualidade de nível mundial. O disco do projecto AXES entusiasmou-me bastante. João Mortágua é, para mim, um dos maiores criadores de Portugal.
Tens acompanhado a nossa cena musical? Como tens visto a evolução da nova geração de músicos ligados ao jazz?
Tenho acompanhado bastante o cenário nacional. Com a abertura do curso de jazz em algumas escolas, o nível aumentou bastante. No entanto, o país é muito pequeno: facilmente corremos Portugal inteiro. Acho que o desafio é ser bom fora de Portugal. Acho que, de maneira geral, cria-se facilmente a falsa ilusão de que já chega, que ser bom em Portugal já é o bastante. Apostaria mais na internacionalização dos músicos jovens portugueses e temos um óptimo exemplo disso com o baterista Mário Costa.
Tens acompanhado a cena jazz do Brasil? Que músicos recomendas ao público português?
O Brasil será sempre uma fonte inesgotável de talento e isso conforta-me bastante. Saber que Hamilton de Holanda e Yamandu Costa são brasileiros é um orgulho e agora o legado segue com a nova geração que está a revolucionar o mundo musical com suas influências, como é o caso de Mestrinho, Pipoquinha, Daniel Santiago, Frederico Heliodoro, Antonio Loureiro e, claro, o menino dos olhos de Kurt Rosenwinkel, Pedro Martins. Acho que a música brasileira está em boas mãos e fico feliz por saber que esse sangue corre nas minhas veias.