Improvisar com sotaque
Acordeonista virtuoso, João Barradas começou a dar nas vistas muito jovem. Arrecadou prémios internacionais desde muito novo, criando desde logo uma enorme expectativa. Explorou diferentes géneros e encontrou no jazz o território ideal para trabalhar a sua visão musical, navegando à volta da improvisação. Vem trabalhando em múltiplos projectos - nacionais e internacionais - e prepara-se agora para editar o seu primeiro disco na condição de líder, publicado na reputada editora Inner Circle, com a participação do saxofonista Greg Osby. No momento em que lança o álbum “Directions”, o acordeonista, compositor e improvisador apresenta-se ao mundo.
Com que idade começaste a tocar acordeão? Como chegaste ao instrumento?
Comecei no acordeão com 5 anos de idade. Estava no jardim-de-infância e a educadora teve a ideia de criar um pequeno rancho didáctico. Esse rancho contava com uma tocata que tinha acordeão. Lembro-me perfeitamente de não achar muita piada à música, mas de gostar do instrumento, do objecto, daquela caixa com um fole e botões em que eu podia tocar. Mas antes, aos 2 anos, o meu brinquedo preferido era um Casio Rapman e eu tocava de forma doentia naquele brinquedo. Aquele Casio era o meu brinquedo favorito, dormia com ele… Aos 2/3 anos já tocava as melodias e os meus pais - que não têm ligação à música – não acharam estranho que eu aprendesse de ouvido aquelas melodias… Aprendi música antes de escrever e tenho a lembrança de a professora me explicar as notas e eu perceber que era aquilo que tocava em casa de ouvido. Fiquei apaixonado, acho que nunca mais tive uma sensação parecida com esse momento de perceber a música, de perceber que aquele som que eu conhecia tem uma representação visual num pentagrama.
Depois foste estudar música a sério e começaste desde cedo a ganhar prémios internacionais, ganhaste inúmeros concursos e festivais. Como foi essa evolução do teu percurso musical?
No mundo da música erudita o processo mais fácil para conseguirmos concertos é tocar num concurso: os vencedores podem tocar no festival X. Aos 6/7 anos fui para o conservatório. Acabei o conservatório cedo, aí pelos 14/15 anos. Durante esse processo académico sempre tive muitos professores que me incentivaram a participar nesses concursos. Esses projectos foram surgindo, mas foi sempre o processo mais normal possível: escola – concursos - escola - concursos… Até então nunca pensei ser músico profissional, mas com esses concursos comecei a ver que podia ganhar dinheiro com a música.
Esses prémios mostraram que tinhas talento. Funcionaram como factor de motivação?
Os meus pais tentaram sempre fazer-me ver que eu não podia viver para os concursos, nem para uma excessiva realização profissional – sobretudo tão jovem. Há também uma característica minha, que acho que é uma mais-valia: uma baixa auto-estima que me está sempre a colocar em causa. «Ganhei este prémio, mas porquê? Não apareceu aquele rapaz que toca tão bem… O júri gosta mais deste tipo de música…» Isso nunca nos dá uma sensação de vitória. Não me lembro de me sentir assim, nem mesmo ao ganhar o Troféu Mundial de Acordeão (vejo a lista dos vencedores e estão lá 10 dos meus ídolos absolutos do instrumento)… A única coisa de que gostava e que ainda hoje tenho prazer é ganhar um concurso, ir a um festival e de repente ter Joe Lovano a dizer «eh pá, gostei imenso….», conhecer Gil Goldstein e ter Nicholas Payton a mandar-me uma mensagem… Os concursos, para mim, são uma abertura para a internacionalização. Nunca acho que seja como um distintivo que apresente… Há gente que vem ter comigo e diz «os concursos, os concursos»… É apenas uma maneira de fazer, mas não creio que seja necessária.
Como chegaste ao mundo do jazz? Quais foram para ti as influências mais marcantes no universo do jazz? Quais foram os discos de jazz que mais te marcaram e te fizeram apaixonar pelo jazz?
Ainda antes do jazz, a minha grande paixão na música é a improvisação. Percebo hoje que o Casio foi a minha primeira escola de improvisação: havia um “play along” em que eu improvisava por cima e apanhava algumas das melodias. Esse foi o meu primeiro contacto com a improvisação. Não conhecia uma linguagem da improvisação, neste caso a do jazz, que é a linguagem mãe da música improvisada do século XXI. E está a tornar-se também na composição, especialmente no sistema tonal, que para mim é onde está a grande música. O encontro com o jazz dá-se através de Keith Jarrett e de “Live at Blue Note”. Na verdade era um MP3 e eu nem sabia quem era o Jarrett. Nem me lembro como aquilo me chegou às mãos… Adorava aquilo, conhecia os solos todos de cor. Dos discos que me marcaram violentamente há também o “Go!” de Dexter Gordon… Acho que é o primeiro disco em que não só me dedico a estudar os solos, como também os transcrevo. Depois o “Giant Steps” do Coltrane… Li sobre aquela questão das terceiras maiores e como sou fanático por harmonia ouvi tanto esse CD que se tornou marcante. Houve também um CD de Richard Galliano, uma compilação chamada “Gallianissimo”, que me foi oferecida pelo representante da Victoria, a marca de acordeões do Galliano – isso foi num concurso, aos 12 anos, e inclusivamente conheci o Galliano nesse dia. Esses discos foram os primeiros. Mas a nível de improvisadores não foi essa a estética que me marcou mais na adolescência.
Quem foram então esses improvisadores mais marcantes?
Muitos! Consumo música de uma forma violenta desde miúdo. Mais do que tocar, gosto de ouvir! Lester Young e Branford Marsalis aparecem como duas figuras chave. Depois, no piano, Art Tatum e Andrew Hill. Quando tinha 17 anos, já depois de uma “masterclass” com Greg Osby, descubri o movimento M-Base. Lembro-me que tive essa “masterclass” com a malta da nossa geração - Ricardo Toscano, João Pereira – e nem sabia bem o que estava ali a acontecer. Já depois, com 17 anos, quando estive em França, é que me veio parar às mãos um disco da Jack DeJohnette's Special Edition com Greg Osby. Meti o disco a tocar e não consegui acreditar na violência da construção dos solos, tanto dele [Osby] como de Gary Thomas. A seguir descobri Steve Coleman e comecei a transcrevê-lo incessantemente. Acabei depois por conhecer o Greg, estudar com ele durante dois anos e ir para a Inner Circle!
E no acordeão?
A nível de acordeonistas, os primeiríssimos acordeonistas de jazz, Tommy Gumina e Alice Hall, foram aqueles que me marcaram mais. E, claro, o [Gil] Goldstein e Art Van Damme - mas estes já fazem parte dos contemporâneos.
Foi uma lição
Gravaste o excelente disco "Surrealistic Discussion” com Sérgio Carolino em 2011. Como surgiu este projecto e como se desenvolveu a vossa música?
Conheci o Sérgio num festival de jazz. Ele já tinha ouvido falar de mim e disse-me: «Qualquer dia fazemos alguma coisa». Eu era miúdo, tinha 16 ou 17 anos, e achei que era incrível, porque Sérgio Carolino era um daqueles músicos para quem olho com grande respeito e admiração, não só por aquilo que faz, mas pela seriedade – em relação à música, à performance, ao público, ao estar, a isto de ser músico… E na verdade foi uma lição. Surgiu esse convite para o duo, pedimos algumas encomendas a compositores – inclusive a Filipe Melo, na área do jazz – e esse foi o primeiro projecto de música contemporânea, passando por diferentes estéticas e também pela improvisação. Para mim foi muito interessante, porque foi um projecto em duo, porque marcou o meu regresso de França e porque deu início à minha carreira e ao meu trabalho profissional no País. Foi giro ter esse diálogo com o instrumento e o Sérgio eleva sempre muito o nível musical e virtuosístico. Foi um desafio grande.
Como foi a experiência em França?
Estudei um ano em França com Frédéric Deschamps, um professor muito conceituado – um dos alunos dele foi Vincent Peirani, que toca com Émile Parisien. Foi na casa dele que descobri a Jack DeJohnette's Special Edition. Foi tocar oito ou nove horas por dia e a banda sonora eram esses discos de jazz.
Acabas de gravar agora o disco “Directions”, que conta com produção de Greg Osby. Como surgiram as ideias para este disco? E porquê este título?
Em 2014 começaram a pedir-me para gravar um disco. Estava a falar com o Osby (fazemos umas pequenas sessões em Skype, com ele a dar-me conselhos) e contei-lhe que tinha uma proposta de uma editora grande. Essa proposta passava por uma revisão jazz de temas de Piazzolla, mas não era isso que me interessava. Tenho o maior respeito por Astor Piazolla, mas acho que refazer aquilo não é a coisa mais interessante. Disse isto ao Greg e ele adiantou-me que tinha as portas da Inner Circle abertas para quando quisesse fazer um disco! Aquilo ficou, fiquei contente… Comecei a pensar no disco. Uma vez que toco desde os 5 anos, pensei que fizesse sentido meter na minha música actual coisas que fizeram parte do passado, para que as pessoas percebam: «Ok, ele não vem só do jazz, não é só este gajo que faz umas coisas esquisitas no acordeão». Sempre escrevi muita música. O “Directions” também é muito especial para mim porque tem excertos de temas – trabalhados, rearranjados - que escrevi quando era miúdo. Componho desde os 8 anos e reaproveitei algumas dessas coisas. O disco contou com a produção do Osby e a única coisa que eu queria que acontecesse era que, na questão da improvisação, assim que aquilo fosse para solos, lidássemos com o que acontecesse. Há um tema, o “Ignorance”, com um “swing” tão rápido que, quando entra em solos, penso «bem, temos de viver com isso»… As coisas não foram muito pensadas. Por exemplo, Gil Goldstein fez um arranjo do “Giant Steps”, mas não foi premeditado. Eu disse-lhe que um dos discos da minha vida era o “Giant Steps” e o Gil pensou que seria giro fazer algo com dois acordeões… E foi assim que apareceu o “Giant Steps”, na verdade com outro nome, “Tiling the Plane”… O título foi dado, curiosamente, por Pat Metheny, a quem ele mostrou este arranjo!
O grupo que gravou o disco junta Greg Osby, André Fernandes (guitarra), João Paulo Esteves da Silva (piano), André Rosinha (contrabaixo) e Bruno Pedroso (bateria), com a participação de Sara Serpa para além da de Gil Goldstein. Por que escolheste trabalhar com estes músicos?
Com o Osby a razão é óbvia: venho de dois anos a falar com ele, é a editora dele e ele é o representante (ele e Steve Coleman) daquela linguagem que eu via na Jack DeJohnette's Special Edition, ele a partir a loiça toda e eu a viver aquilo intensamente desde adolescente. Portanto, a escolha para o saxofone foi óbvia. Sara Serpa porque sou fã do seu primeiro disco, o “Praia”, que ouvi sem parar. Toquei com a Sara e ela era a cantora que eu queria. Ainda para mais, o tema é sem palavras e ela é uma craque nisso. Conheci Gil Goldstein no festival Jazzaldia e percebi que tínhamos de fazer alguma coisa juntos. O Goldstein é talvez o acordeonista que mais aparece nos discos do jazz “mainstream. João Paulo Esteves da Silva porque foi quem me orientou na Escola Superior de Música de Lisboa e partilhamos muitas visões musicais - para além de ser uma pessoa incrível. André Fernandes… Já não sei bem como me apareceu o “Cubo” em casa, mas apareceu, e ouvi aquilo incessantemente. Uma vez ele apareceu na JB Jazz e tive oportunidade de conhecer o meu herói, o meu improvisador preferido. E convidei-o. O Bruno [Pedroso] e o André [Rosinha] são companheiros de muitos projectos, é quase como tocar em família – não é necessário para fazer música, mas quando acontece é muito mais fácil.
Ligado ao jazz, estás também envolvido no grupo HOME. Que grupo é este e que linhas caracterizam a sua música?
Sempre tive a ideia de fazer um projecto com duas guitarras. Fui ao Prémio Jovens Músicos e levei comigo Gonçalo Neto e Mané Fernandes nas guitarras, Eduardo Cardinho no vibrafone (queria aquele som), Ricardo Marques no contrabaixo e Guilherme Melo na bateria. Eu só uso acordeão MIDI, com sons de Rhodes e de Moog. Fizemos o Prémio Jovens Músicos, acabámos por ganhar e o prémio era gravar um CD, o que fizemos agora em Janeiro. Vai ser o meu “side project” com instrumentação superestranha, e acho que vai ser um projecto mais agressivo, só com compassos compostos. Não há sequer um tema em 4/4! É uma música mais estranha…
Vais agora tocar com um novo grupo, um quarteto co-liderado com o saxofonista Ricardo Toscano. Como nasceu este projecto?
A proposta surgiu a convite do director da Antena 2, João Almeida, que propôs um projecto que revisitasse um pouco da história do jazz. E é isso que vamos fazer, desde Cole Porter a Dexter Gordon, de Jelly Roll Morton a Wayne Shorter. Eu e o Ricardo conhecemo-nos há muitos anos. Ainda nem estávamos assumidamente no jazz quando isso aconteceu, éramos mesmo muito miúdos. E de uma forma ou de outra os nossos percursos encontraram-se várias vezes. Ele é um dos músicos que mais admiro no nosso país e temos um boa relação, pois partilhamos da mesma vontade de conhecer e viver esta música, mesmo tendo escolhas diferentes... Partilhamos a mesma seriedade nesta aventura que é ser músico. Vamos deixar a música acontecer, com muita improvisação e audição. É isso que espero que aconteça em palco. Vamos acompanhando a carreira de cada um com muita atenção e vai ser porreiro unirmos forças. A secção rítmica é uma mistura dos nossos dois projectos, o seu quarteto e o meu grupo Directions: João Lopes Pereira na bateria e André Rosinha no contrabaixo.
Além destes projectos em nome próprio, em que outros estás actualmente envolvido?
Como “sideman” estou a colaborar em vários grupos. Nos próximos tempos vou tocar com Fabrizio Cassol, Federico Malaman e Mike Stern. Dos portugueses, vou tocar com Sérgio Carolino, temos vários concertos este ano. Temos um novo ensemble de música contemporânea com Filipe Quaresma no violoncelo e a nossa estreia será no CCB em Abril… Estou no grupo de Pedro Madaleno, que vai ao Hot. Há o grupo de Daniel Bernardes, o Crossfade Ensemble, que está quase a sair. Estão lá Sérgio Carolino na tuba, Ricardo Toscano no saxofone, Jeffery Davis no vibrafone, Hugo Assunção no trombone, Mário Dinis Marques no saxofone, eu… e o Daniel Bernardes, obviamente. É uma música que mistura a parte clássica-erudita com o jazz. E também participo em vários outros grupos, também na música do mundo…
Vamos caminhar para aí
Fazes parte de uma nova geração de músicos que tem marcado o jazz português e levado a música em direcções muito distintas. Como vês o actual panorama do jazz nacional?
Gosto bastante… Para mim é importante ouvir um disco como o “Nebulosa” de Hugo Carvalhais e perceber que aquilo é tudo feito por pessoal português – com a excepção de Tim Berne. E de repente um disco da minha vida é feito por colegas meus portugueses! A nível de colegas meus, posso pensar em Ricardo Toscano (conheço-o desde os 14 anos), em João Pereira, Romeu Tristão, Pedro Branco, no pessoal dos HOME (somos todos da mesma geração), há imensos músicos… Mesmo a nível de acordeão, só na zona de Lisboa há agora uns cinco acordeonistas que improvisam, o que era impensável há 10 anos! Sinto que em Portugal somos acarinhados, vemos gente como eu ou o Toscano a aparecer nos festivais. Ouço gente a dizer que em Portugal há muita inveja, mas da minha parte sinto que em Portugal nos estão a dar atenção. Podemos ver o trio do Laginha e ver o quarteto do Toscano ao lado… Acho reconfortante. Só para acabar: conheci um músico de Israel, perguntei-lhe quais os improvisadores que ele mais gostava de ouvir e ele respondeu-me só com nomes de Telavive! Sinto que eles têm mesmo orgulho em falar da sua música, da música de Israel, e eu agora conheço vários músicos por causa dessa paixão. Isso é algo que eu gostaria de ver mais cá… E acho que vamos caminhar para aí.
Além de trabalhares no jazz, tens também marcad0 presença na música clássica, na música improvisada e até na música popular. Como te moves entre esses diversos universos?
Acima de tudo, está o ramo principal, que á a improvisação. Porque toquei música popular, música contemporânea, música atonal? Porque o percurso do conservatório nos coloca em diferentes programas para aumentar o nosso nível instrumental. O sistema de ensino pressupõe isso como regra e acho bastante interessante. Às vezes as pessoas dizem-me «tu devias fazer um trio de musette e fazias umas improvisações»… A única coisa que eu quero é fazer aquilo em que acredito. Às vezes pode ser um falhanço, e estou cá para o aceitar - leio sempre as críticas, as boas e as más, e tento perceber qual a razão para escreverem aquilo… Quero muito fazer a música que ouço. Há uma frase de Kurt Rosenwinkel que é: «Toco guitarra, a guitarra não me define enquanto músico, mas dá-me o meu sotaque». Para mim, o acordeão é uma grande vantagem e também uma desvantagem. Há dias falei disto com o Toscano. Ele tem aquele som incrível de sax e adoro quando ele tercina aquilo com um “groove” incrível. A questão é: se eu agarrar num acordeão e fizer uma tercina por cima de um blues a coisa não vai colar bem…
Há coisas que vêm já do instrumento e que tenho de adaptar. Às vezes parece que estamos a caricaturar seres musicais e a juntá-los. Por exemplo, pegar na ideia de juntar fado e música de dança. É muito fácil lá chegar: junta-se uma caricatura daquilo que eu julgo que é o fado com uma batida electrónica. Para quem toca um instrumento exótico, o que acho interessante não é agarrar na caricatura, é procurar outros pontos de contacto. Uma ideia fácil seria ver como a harmonia do fado se pode desenvolver com uma harmonia da música pop. Na harmonia do fado os baixos estão sempre a mudar, nas várias inversões. Ora, como é que isso pode acontecer na música de dança? É preciso ver de diferentes lados. Toquei com um tipo de som até perceber que aquilo não funcionava. Ouvia Tommy Gumina e pensava que aquilo estava muito próximo de Buddy DeFranco. Depois percebi que era a compressão, que o acordeão não precisa de ter aquele som rasgado. Compreendi que a mesma coisa, mas com aquela pequena diferença, fazia esteticamente mais sentido. Tem o sotaque do acordeão, não é um saxofone ou um trompete a articular, mas faz mais sentido assim. Ele foi buscar um pequeno detalhe que me fez apaixonar pela música dele. São esses pequenos detalhes que me interessam. Andrew Hill é isso, nada é ao acaso, aqueles “voicings”, a escolha do programa, aquele detalhe, aquilo é tudo planeado – quero ser como ele! Um concerto de Wynton Marsalis ou de Keith Jarrett é sempre um acontecimento. Mesmo quando eles tocam um “standard”, há ali um bom gosto que não se aprende… Gosto de ir à procura desses pequenos detalhes, de agarrar num instrumento que não é do jazz e ver o que posso fazer para aquilo que tenho na cabeça não ter o sotaque tão acentuado.
Sentiste dificuldades ao longo do teu percurso por tocares um instrumento “exótico”?
Nunca senti muito isso. As pessoas querem ouvir um acordeão, aquilo tem um sotaque diferente…
Além do acordeão, que outros instrumentos mais te interessam?
A bateria é outro instrumento que eu adoro! Quando estava na ESML a minha relação com Bruno Pedroso solidificou-se porque acabei por estudar muito a percussão. Alguns improvisadores de que gosto muito, como Gonzalo Rubalcaba e Kenny Kirkland, são verdadeiros motores rítmicos. No acordeão tento ter esse tipo de pensamento. Pode haver gente que não concorde, mas acho mesmo que a bateria é o instrumento principal do jazz. Penso numa “marching band” e é o ritmo, penso no “swing” e é o ritmo… Mesmo pessoal muito rítmico, como Lester Young, tem aquele tempo, que não é só metronómico. É mais aquela questão de «é ali que queremos pôr a nota»! Sinto uma atração brutal pela bateria e os meus solos preferidos são os do baterista.
Quais são os teus planos para os próximos tempos?
Tenho muito delineado aquilo que quero fazer melhor, mas não tenho nenhum caminho para dizer «é para aqui que vai». Quero mudar aquilo que não está a correr bem. E quero continuar a viver cá! Foi uma coisa que percebi quando passei algum tempo fora: gosto de Lisboa, gosto do ambiente que temos entre músicos (há apoio, o último concerto que fui ver foi o de André Santos e ele vai ver o meu concerto…). Quero ficar em Portugal, quero evoluir!