Albert Cirera, 21 de Janeiro de 2015

Um catalão em Lisboa

texto Nuno Catarino

Um dos mais importantes músicos da cena de Barcelona escolheu Lisboa como a sua cidade de residência e por cá vive há um ano. Um ano chegou para que se tornasse numa figura incontornável da música que aqui se toca. Fomos conversar com ele para conhecê-lo melhor e saber o que anda a fazer…

 

Por que motivos escolheste o saxofone?

Comecei por tocar violino, muito pequeno, com 6 ou 7 anos. Por volta dos 14 comecei a tocar saxofone. Queria tocar um instrumento de sopro e nessa altura já foi uma escolha minha. O meu pai tocava órgão, tocava música ligeira. A minha irmã tinha um grupo de ska. O saxofonista era muito mau e eu pensei: daqui a uns anos vou tocar com este grupo. E foi assim que comecei, sem saber muito bem onde me ia meter.

 

Com que bandas é que começaste a tocar?

Toquei em vários grupos de ska. Também estive numa banda de folk (nessa tocava violino). Também toquei em orquestras, de cha-cha-cha e pasodoble, em festas. Nessa altura já estava interessado no jazz, já começava a tocar “standards”. Os meus irmãos davam-me discos de jazz. Lembro-me de dois que me deram e de que gostava muito: um de Coleman Hawkins e outro de Joshua Redman (do Redman gostava muito, mas agora não gosto nada!). Comecei a tocar em trio, com um contrabaixista e um guitarrista. Depois entrou outro músico, de uma terra próxima, e formámos um grupo que se chamava Ebony Quartet. Tocávamos sobretudo temas originais, mais um ou outro “standard”. Fomos a um concurso de bandas e ficámos em segundo lugar. Devia ter uns 17 anos, foi uma época gira.

 

Quem foram os saxofonistas que mais te influenciaram?

Costumava ouvir Joshua Redman, especialmente o disco “Freedom in the Groove”. Também ouvia muito o Coleman Hawkins. Depois comecei a estudar e a escutar muitas coisas e, claro, fiquei apaixonado pelo Coltrane! Recordo-me que ouvia o “Blue Train” de cima a baixo, todo o dia. Depois chegou Sonny Rollins, Wayne Shorter… Na minha terra havia uma loja de discos muito alternativa onde se encontravam alguns discos de jazz. Ia lá com um amigo, eu comprava um disco, ele comprava outro e depois copiávamos… Até chegámos a comprar um disco a meias!

No início eram os “totens”, o Coltrane, o Rollins, Shorter… Recordo-me de ter chorado a primeira vez que vi Wayne Shorter ao vivo! Quando soprou a primeira nota no soprano emocionou-me: «Meu Deus!» O Coltrane marcou-me muito pela forma como tocava as baladas. O Shorter é impressionante pela energia, parece que cada nota que toca lhe sai do intestino mais profundo e é como se o mundo fosse acabar. Depois também amei muito Dexter Gordon. Escutava e cantava aqueles solos. O lirismo do Dexter é incrível, cada solo é uma canção.

 

Tens um quarteto como líder, Albert Cirera & Tres Tambors. Qual é a ideia subjacente a este grupo?
Neste momento o grupo está um pouco parado, porque estou a morar agora em Lisboa e os restantes músicos estão em Barcelona. Estive muitos anos a escrever temas, depois reuni um grupo de músicos com quem pudesse gravar as composições e fomos para estúdio. A ideia com este grupo é tocar as minhas composições originais. 

De puta madre

 

Tens um duo com o baterista Ramón Prats chamado Duot. Como surgiu?

A colaboração surgiu porque ambos estudávamos na ESMUC (Escola Superior de Música de Catalunya) e no final tínhamos de fazer um projecto. Tínhamos de escolher um tema e um orientador e eu e o Ramón, sem termos combinado, escolhemos o mesmo orientador. Ele viu que os nossos projectos tinham semelhanças e sugeriu que nos juntássemos para fazermos um projecto único. Começámos a trabalhar e vimos que nos entendíamos musicalmente na perfeição. Começou como uma pesquisa sobre a música improvisada, fomos tocando, fomos descobrindo, e houve uma altura em que tocávamos quase todos os dias. Tocávamos todas as quintas num bar e uma vez por mês tínhamos um convidado. Foi com este projecto que aprendi a fazer música improvisada.

 

Como surgiu o trio com o pianista Agustí Fernandez?

Numa dessas quintas-feiras um dos convidados foi o Agustí, que tinha sido nosso professor na ESMUC. Com o Agustí aprendi muita coisa. Foi uma das pessoas que mais me abriram a cabeça. Esse primeiro concerto foi “de puta madre”, tivemos um entendimento fantástico e o Agustí disse que tínhamos de repetir. Convidou-nos a tocar em casa dele, correu muito bem e a partir daí começámos a tocar juntos regularmente, uma vez por mês. Passados uns meses fomos gravar, em dois momentos diferentes, e o disco reúne partes dessas duas gravações. O grupo está por aí e queremos voltar a tocar.

 

Também estás envolvido com o Free Art Ensemble. Como tem sido tocar num grupo de grande dimensão?

É muito difícil! Queremos ser um grupo democrático e é muito difícil! Vamos gravar agora em Janeiro, numa residência artística. Houve algumas mudanças, saíram e entraram músicos. A música vai soar diferente. São 12 músicos, não é fácil.

 

Apesar de estares em Portugal há pouco tempo, já estás muito envolvido na cena portuguesa do jazz e da música improvisada. Com quem tens tocado?

O primeiro projecto em que participei foi o Open Mind Ensemble. Cheguei até eles através de Francisco Andrade - quero aproveitar para agradecer ao Francisco, que é um grande amigo e ajudou-me muito. Ele convidou-me para um ensaio do Open Mind e fiquei a tocar com o grupo. Depois comecei a tocar na Big Band da Escola de Jazz do Barreiro, que é um grupo semi-amador, mas deu-me a oportunidade de trabalhar arranjos para big band, que era uma coisa que não fazia há muito tempo. Agora estou a tocar num trio com Hernâni Faustino e Gabriel Ferrandini. É um trio super enérgico e é muito divertido tocar com eles. Estou também a tocar com Diogo Vida, com ele no órgão. Entretanto fiz uns concertos com a Reunion Big Band e vou tocar com Gonçalo Prazeres. Tenho estado também a colaborar com um grupo chamado Malson, com Vasco Furtado, André Rosinha e Federico Pascucci. E tenho tocado por aí…

Estou a pensar tocar com músicos de cordas, como Ulrich Mitzlaff, Carlos “Zíngaro”… Há muitas cordas aqui em Portugal! Miguel Mira, Ernesto Rodrigues, Joana Guerra, há muito pessoal a tocar cordas na música improvisada, o que não é uma coisa muito habitual. Tenho um plano para fazer um grupo com Francisco Andrade, João Lencastre e Vasco Furtado - dois saxofones tenor e duas baterias, pode ser divertido!

 

Porque te mudaste de Barcelona para Lisboa?

Eu queria sair de Barcelona… Estava cansado e queria mudar de cidade. Havia duas opções, que eram ir para Berlim ou vir para Lisboa. Lisboa porquê? Lisboa é uma cidade aberta à Europa e tem uma cena de música improvisada grande, tem a Clean Feed… E também houve motivos mais simples, como o clima, a comida e o idioma… Eu tinha aqui um amigo, o pianista Javier Galiana, que cá esteve durante dois anos e sugeriu-me vir para Lisboa. Aqui estou contente: é uma cena completamente diferente da de Barcelona, as coisas são mais tranquilas, mas há muitos músicos com quem tocar e há um grande nível de jazz e de música improvisada. Há músicos incríveis… Vi há dias o acordeonista João Barradas, é fantástico!

Há muita música a acontecer. Aqui há muito jazz, há muita música improvisada e muitos estilos dentro da improvisada! Uns mais próximos do free jazz, outros do “near silence”, outros da música contemporânea… É porreiro, porque me dá oportunidade de fazer muitas coisas diferentes. E eu, como sou uma “puta musical”, gosto disto, gosto de poder tocar tudo!

 

Quais são os teus planos para o futuro?

Tenho vontade de gravar. Quero gravar com o Gabriel e o Hernâni, quero gravar com o quarteto Malson - estamos a preparar uma digressão em Abril e seria bom gravar nessa altura. Quero fazer uma série de duos, por exemplo com o “Zíngaro”, com Olle Vikström. Vai sair um novo disco dos Duot e quero tocar mais com Duot. Estou com vontade de gravar a solo, saxofone solo. Para já é isto. Daqui a quatro meses, daqui a meio ano, não sei o que acontecerá…

 

Para saber mais

http://www.albertcirera.com/

 

Discografia seleccionada

Memoria Uno: “Crisis” (Discordian Records, 2014)

Duot: “Live at Jamboree Vol. 1” (Discordian Records, 2014)

Duot: “Live at Jamboree Vol. 2” (Discordian Records, 2014)

Cataplàusia: “Metacrit!” (Repetidor, 2014)

Agustí Fernández Liquid Trio: “Primer Dia y Última Nit” (Sirulita Records, 2013)

Free Art Ensemble & Agustí Fernández: “Live at Jamboree” (Discordian Records, 2013)

Psicodramaticafolklorica: “Zoanthropic Delirium” (Discordian Records, 2013)

Cataplàusia: “Cataplàusia” (Repetidor, 2013)

El Petit de Cal Eril: “La Figura del Buit” (Rockdeluxe, 2013)

Albert Cirera & Tres Tambors: “Els Encants” (Fresh Sound New Talent, 2012)

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