Émile Parisien, 8 de Julho de 2014

À procura, simplesmente

texto Rui Eduardo Paes

Vai tocar a 16 de Julho, com o seu próprio quarteto, no Jazz im Goethe Garten, e ainda há dias esteve com Hugo Carvalhais na Culturgest. Émile Parisien é um dos mais galvanizantes saxofonistas de um jazz francês e europeu que se pretende novo, mas em linha com a sua identidade histórica, e o concerto que vai protagonizar no jardim do Goethe Institut será a oportunidade de conhecer as suas próprias concepções musicais. As mesmas que lhe valeram agora um Victoire du Jazz. Conversámos com ele, para descobrir um pouco do que vai acontecer no Campo dos Mártires da Pátria, em Lisboa…

 

O Émile Parisien Quartet toca em Lisboa algumas semanas depois de ter recebido o prémio Victoire du Jazz, um dos mais importantes da Europa. Que importância tem para si este galardão?

É um bom reconhecimento do nosso trabalho e recebi-o com muita satisfação. Fez-me sentir gratidão por todos aqueles músicos com quem partilhei os sons, pelo que considero que é um prémio para todos nós. De qualquer modo, mantenho alguma distância relativamente a este tipo de coisas, pois a música não é uma competição e o meu quarteto não é necessariamente melhor do que outros. Há muitos músicos fantásticos e que merecem reconhecimento…

 

O seu quarteto é conhecido por misturar versões de compositores clássicos e contemporâneos, peças de figuras do jazz como Charles Mingus, John Coltrane e Wayne Shorter, algumas partituras originais e improvisação completamente livre. O que é bastante invulgar. Como definiria a vossa música?

Tocamos juntos há 10 anos, passámos por várias fases e trabalhámos com todas as nossas influências para desenvolver uma abordagem singular, baseando-nos nas energias das quatro pessoas que integram o quarteto. Ainda que as nossas bases estejam em Coltrane e Shorter, e que adoremos as suas músicas, hoje estamos muito longe deles. Compomos pensando por nós mesmos, com o objectivo de firmar o nosso próprio som. O que fazemos tem a ver com o nosso desenvolvimento pessoal e as experiências de aprendizagem que fomos tendo em outros projectos, combinando tudo o que nos marcou para criar uma música que é só nossa.

 

É um produto da cena e da escolaridade de Marciac, a região francesa em que nasceu. Consegue definir o que caracteriza o “som de Marciac”?

O que aprecio no estilo de Marciac é o valor que se dá à expressão e ao encontro connosco mesmos, na busca de uma personalidade para a música. É uma escola de vida, mais do que tudo. Aprendemos a tocar jazz, mas o que importa realmente é encontrar a nossa própria expressão por via do improviso. O meu professor dizia-nos: «Tomem três notas e contem uma história. Digam o que quiserem, mas de maneira a que possamos entender!» Essas palavras continuam a ecoar na minha cabeça. É o que gosto de fazer: contar histórias. Ainda que o jazz de Marciac seja mais “mainstream” do que aquilo que estou a fazer agora, esta forma de aprender é óptima e recomendo-a vivamente. 

Contar histórias

 

Teve a oportunidade de tocar com Wynton Marsalis ainda muito jovem, depois de frequentar os seus “workshops”. Era de esperar que estivesse a fazer carreira no “mainstream”, mas de facto não é isso o que tem acontecido. Conhece a opinião de Marsalis sobre o que a sua música é hoje?

Acho que o Wynton não iria gostar do que estou a fazer com o quarteto. Preferiria com certeza outros projectos que tenho. Faço questão de tocar de maneiras diferentes, consoante os contextos. Com todos os encontros que tive na minha vida fiz o que tinha de fazer. Sigo a minha intuição e isso conduziu-me a desfechos muito interessantes. O mais importante é respeitarmo-nos uns aos outros e é esse o caso com o Wynton. Ele já me disse que gosta da minha determinação e que aprecia a forma como conto histórias quando improviso.

 

Alguns críticos rotulam a música do quarteto como “free jazz”, mas as coisas são bem mais complexas do que isso, não é?

Exactamente. Essa é uma categorização demasiado precipitada e não concordo com ela. Estamos em 2014, o free jazz aconteceu há muito tempo e hoje tocamos música com muitas influências, vindas do jazz, do rock, da pop, da clássica, da contemporânea, da electrónica. Já não podemos chamar a isto free jazz, ou free music. O que estamos a fazer tem a ver com o nosso tempo. O problema é que as pessoas sentem necessidade de colocar tudo dentro de caixinhas. É uma pena, mas na verdade não tem grande importância.

 

O público português já o conhece como convidado especial dos projectos de Hugo Carvalhais. Como avalia essa colaboração com este músico português?

Estou muito feliz por ter conhecido o Hugo. Foi muito importante para mim. Gosto da sua maneira de compor e de entender a música. É profunda, e ajudou-me num momento em que eu estava um bocado perdido, sem saber para onde deveria ir. Encontrei-o na altura própria. Ele ensinou-me muitas coisas, com um discurso forte e claro. É uma pessoa bastante convicta, ao contrário de tantos. Mas tinha mesmo de o ser, pois parece-me que a situação dos músicos de jazz criativo em Portugal não é fácil. Conseguiu estar na linha da frente e tenho um enorme respeito pelo Hugo. Adoro tocar com ele. É um exemplo perfeito do que um músico deve ser e merecia ter ainda uma maior exposição.

 

Também é conhecido pelas suas colaborações com Daniel Humair. Como tem sido essa experiência?

Foi igualmente uma sorte ter conhecido tão grande personalidade como a dele. O Daniel é um mestre. Tocou com toda a gente, seja do “mainstream”, como Dexter Gordon e Phil Woods, ou do jazz mais aberto, como Tony Malaby e Bruno Chevillon. Convém dar atenção ao que diz, pois sabe muito bem do que fala. Trabalhar com ele é uma experiência única. Confia em nós e dá-nos uma grande responsabilidade. Quando começa a tocar temos de ir com ele seja para onde for, sem hesitações. É outra grande, grande escola!

 

Em que outros projectos está envolvido presentemente, para além do Émile Parisien Quartet?

O duo com o acordeonista Vincent Peirani e, também com este, o quinteto Living Being. O Jean-Paul Celea Trio, o Stephane Kerecki Quartet com John Taylor como convidado especial, e ainda o Gueorgui Kornazov Quintet. 

Estar dentro da música

 

É um saxofonista muito performativo e físico. Isso é natural em si ou utiliza esse procedimento intencionalmente, para inflamar as audiências? Dizendo de outro modo: essa postura é espontânea ou existe alguma “mise en scêne”?

Treino duas horas por dia em frente de um espelho para exercitar o meu físico… (risos) Não, é algo de absolutamente espontâneo e natural e não jogo com isso. Trata-se apenas da minha maneira de viver a música e de estar dentro dela. Mas com certeza que penso que o gesto serve a música, dá-lhe mais intenção. Em estúdio, comporto-me exactamente da mesma maneira, mesmo não havendo público. Os engenheiros de som detestam-me por eu me mexer demasiado, mas é algo que não consigo controlar. Peço desculpa a quem isso possa fazer aflição. Compreendo o mal-estar, mas não posso fazer nada…

 

Considera que faz parte de um novo jazz europeu ou que é apenas um representante da nova geração europeia de um “continuum” do jazz que não teve especiais mudanças na sua evolução?

O meu sim vai para a primeira condição. Ainda que não perca muito tempo com tais questões. Estou demasiado ocupado com o meu trabalho para dar espaço a esse género de pensamentos e não tenho quaisquer pretensões. Ando à procura, simplesmente.

 

Para saber mais

http://colore.fr/?page_id=1580

 

Discografia seleccionada

Émile Parisien Quartet: “Chien Guêpe” (Laborie, 2012)

Émile Parisien Quartet: “Original Pimpant” (Laborie, 2009)

Émile Parisien Quartet: “Au Revoir Porc-Épic” (Laborie, 2006)

Émile Parisien Quintet: “Éphémère” (Famimra, 2000)

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