Peter Brötzmann (1941-2023)
Morreu ontem, aos 82 anos de idade, o saxofonista alemão Peter Brötzmann, uma das figuras mais destacadas e influentes – e mais inconformadas – da cena do jazz mais livre e da improvisação europeia desde a década de 1960. Era figura habitual em palcos portugueses, nomeadamente em várias edições do Jazz em Agosto, da Fundação Calouste Gulbenkian, e na Culturgest, em Lisboa, mas também no Barreiro (em 2014 com Steve Noble e no ano seguinte com Jason Adasiewicz), no Porto (Passos Manuel) e na Parede (SMUP). No ano passado esteve em Coimbra, para tocar no Jazz ao Centro – Encontros Internacionais de Jazz de Coimbra, a solo e com Heather Leigh. Tocou com músicos portugueses, como os psicadélicos Black Bombaim.
Brötzmann nasceu em Remscheid, Renânia do Norte-Vestfália, em 1941. Estudou pintura em Wuppertal e esteve envolvido com o movimento Fluxus, mas rapidamente se insatisfez com o mundo das galerias de arte e das exposições. Terá despertado para o jazz quando assistiu ao seu primeiro concerto de jazz, uma apresentação de Sidney Bechet, quando ainda estava na escola em Wuppertal. Manteve sempre uma ligação profunda às artes plásticas, desenhado boa parte das capas dos seus álbuns.
Autodidata na música, aprendeu sozinho a tocar clarinete, depois saxofone; e também o tarogato. Um dos seus primeiros cúmplices musicais foi o contrabaixista Peter Kowald. “For Adolphe Sax”, o seu primeiro disco, foi editado em 1967 e contou com as participações de Kowald e do baterista Sven-Åke Johansson. No ano seguinte lançou “Machine Gun”, em octeto, uma verdadeira pedrada no charco do jazz alemão, europeu e global. Produziu o álbum para a sua própria editora, a BRO, que depois foi disponibilizado pela FMP (e relançado, em 2007, pela Atavistic).
Fortemente influenciado por Albert Ayler, gravou em 1969 outro dos seus testemunhos mais icónicos, “Nipples”, com muitos dos músicos que haviam gravado “Machine Gun”, incluindo o baterista Han Bennink, o pianista Fred Van Hove e o saxofonista tenor Evan Parker, além do guitarrista britânico Derek Bailey, luminárias da improvisação no velho continente. A sequela chegou com “More Nipples”. Brötzmann foi membro do Instant Composers Pool, um coletivo de músicos que lançaram seus próprios discos e que se transformou num ensemble muito influente nos circuitos do free jazz e da livre improvisação.
Da sua abundante discografia, ressaltam ainda o trio com Han Bennink e Fred Van Hove e “Schwarzwaldfahrt”, álbum de duetos gravado na Floresta Negra em 1977 com Bennink a utilizar as árvores e outros objetos encontrados na floresta como instrumentos produtores de som. O álbum foi reeditado no ano passado pela austríaca Trost Records. Em 1981, Brötzmann gravou “Alarm” com músicos como Frank Wright, Willem Breuker, Toshinori Kondo, Hannes Bauer Alan Tomlinson, Alexander von Schlippenbach e Louis Moholo. Na década de 1980, associou-se a grupos de rock e noise, gravando, por exemplo, com os Last Exit de Sonny Sharrock e Bill Laswell. O homónimo álbum de estreia, de 1986, continua a ser de audição obrigatória.
O quarteto Die Like a Dog (com Toshinori Kondo, William Parker e Hamid Drake) é outro dos seus grupos mais marcantes, prova de que até o jazz mais extremo pode ter swing. Dos seus sete álbuns merece destaque “Fragments of Music, Life and Times of Albert Ayler” (1994). Desde meados da década de 1990, gravou regularmente e fez digressões com o Peter Brötzmann Chicago Tentet (inicialmente um octeto). Ao longo de um percurso cheio, Brötzmann também gravou e tocou ao vivo com Cecil Taylor, Keiji Haino, Willem van Manen, Mats Gustafsson, Ken Vandermark, Conny Bauer, Joe McPhee, Paal Nilssen-Love e o seu filho, Caspar Brötzmann. A solo, não esquercer “His Münster Bern” (2015), súmula de uma vida preenchida.
No ano passado editou com os norte-americanos Oxbow “An Eternal Reminder of Not Today / Live at Moers”, que a jazz.pt relatou aqui.
Utilizava o seu sopro cru, intenso, profundamente impactante, «como quem sopra para salvar a vida», como tão bem escreveu Gonçalo Falcão a propósito de uma edição do festival de jazz de Ljubljana (Eslovénia), em 2013, com co-curadoria de Pedro Costa, que lhe foi dedicada.
Dele se conta que durante uma entrevista para a rádio pública alemã, em 1967, quando questionado sobre se podia tocar standards (ainda hoje uma espécie do prova de que os puristas do jazz parecem não prescindir), respondeu: «Posso, mas não quero.»