Pedro Melo Alves apresenta próximos convidados do ciclo Conundrum
O baterista, compositor e improvisador Pedro Melo Alves encontra-se a promover o ciclo Conundrum na Galeria ZDB, em Lisboa. Neste ciclo, Melo Alves apresenta-se ao vivo ao lado de músicos convidados, oriundos de diferentes áreas, promovendo assim momentos em duo inéditos. Acabam agora de ser divulgados os próximos três convidados do ciclo: Sara Serpa (9 de julho), Ignaz Schick (29 de setembro) e Audrey Chen (11 de novembro). A convite da jazz.pt, Pedro Melo Alves justifica a escolha destes músicos para os encontros na ZDB.
«Esta segunda metade do ciclo Conundrum já estava a ser pensada desde o planeamento dos primeiros três nomes que levei ao palco da Galeria Zé dos Bois. A lista de possibilidades tornou-se a dado ponto incomensuravelmente longa. Mas por fim, a óptica destas escolhas é transversal em todas as seis pessoas deste ano e diria que se define pelo critério de nunca ter tocado com estes músicos - o conceito principal do ciclo - mas também pela diferença de instrumentos, gerações, género, relação com a improvisação e proposta estética. Interessa-me tanto músicos que se dedicam à improvisação livre como músicos em que esse não é de todo o foco principal das suas buscas (e colocá-los nesse local). Assim como cruzar espíritos mais disruptivos com propostas mais contidas e clássicas. Bem como conectar-me com pessoas com as quais visualizo logo o encaixe com a minha linguagem e recursos ou pessoas com as quais me sinto à partida sem respostas óbvias - é aí, aliás, que está o núcleo conceptual deste ciclo, esse espaço da dúvida e do risco onde as aprendizagens se dão.
No primeiro semestre apostei em nomes nacionais dentro destes parâmetros, onde o João Barradas foi uma escolha óbvia pela transversalidade entre a música erudita, jazz e eletrónica da nova geração e o Rafael Toral e o Carlos Barreto como nomes das gerações anteriores à minha com carreiras consolidadas no campo da música eletrónica e do jazz, respectivamente.
Neste segundo semestre senti a possibilidade de abrir as escolhas para o panorama internacional, fruto de um mundo mais aberto da crise pandémica, sendo que de certa forma já imaginava que iria acabar por incidir sobretudo nos circuitos fervilhantes de Berlim e Nova Iorque. São circuitos que acompanho com muita atenção e que geram muitos dos fluxos criativos que me interessam.
Assim surgiu o convite à Sara Serpa, cantora, compositora e ativista, uma das figuras mais ativas no circuito novaiorquino. Com projetos que me cativam muito dentro de um universo moderno, erudito e exploratório do jazz, há algo na proposta pura e elegante da voz como instrumento que tem sido uma referência para mim do que procuro em cantores. Para este encontro gosto também do quanto acabei por nunca me cruzar muito com a Sara, desde que a conheci num Lisbon Jazz Summer School em 2009 nos meus 17 anos. Isso preserva a frescura e potencial deste primeiro encontro, sendo que é o Conundrum em que sinto os meus recursos enquanto percussionista mais desafiados. Tudo será eventualmente possível de acontecer mas, contrariando o poderio mais óbvio da percussão, quererei preservar a subtileza da voz acústica no nosso diálogo conjunto. É um desafio que muito me estimula e que me remete para a primeira vez que toquei em duo com a Mariana Dionísio, também esse um dos primeiros Conundrum que organizei em 2019.
Os convites ao Ignaz Schick e à Audrey Chen surgem depois de os ter visto ao vivo em 2020, quando estive em tour com 2.9 Odd Goats (Inês Malheiro, João Almeida e João Carlos Pinto) em Berlim. Vi o Ignaz ao vivo no Au Topsi Pohl e a Audrey no Acud Macht Meu e tornaram-se de imediato duas referências da música intensa que se faz naquela capital. Tanto um como o outro vão tendo as suas conexões a Portugal, onde por exemplo se inserem as residências e encomendas da Sonoscopia ao Ignaz e o vídeo gravado em Paredes da série "Play Talk Play" que a Audrey tem com o compositor e improvisador norte-americano Rodrigo Constanzo cá residente.
O Ignaz é um improvisador com um longo currículo nas explorações underground da Europa e dos Estados Unidos, com origem no jazz mais livre e que desaguou nas possibilidades da eletrónica com o drive inquieto, a disruptividade e a estética urbana e industrial que eu também queria incluir neste ciclo. A técnica das turn tables (embora o Ignaz também seja saxofonista) enquanto dispositivo de percussão amplificada ou de samplagem analógica em tempo real é algo que gostaria de ver mais presente em Portugal e que espero estimular nos músicos que eventualmente venham assistir. E agrada-me muito que o Ignaz não tenha o seu background no hip-hop, como costuma ser o caso de muitos turntablists no mundo da improvisação (por exemplo o conterrâneo DJ Illvibe). O duo que ele tem com o baterista Oliver Steidle, com dois discos e um terceiro a caminho, é uma boa antevisão do que poderá vir a acontecer mas quero acreditar que há espaço para muita descoberta mútua nesta data.
A Audrey é uma força da natureza, que voltei a ver ao vivo agora em Fevereiro em Berlim com Mopcut (juntamente com o Julien Desprez e o Lukas König). Tendo o seu background na música erudita, chega à improvisação livre com uma proposta altamente abstracta da voz, por vezes acompanhadas por eletrónica, outras pelo violoncelo, onde sentes que a voz é uma extensão natural de ambos. O tom das suas peças é violentamente negro, denso e ritualistico de uma forma visceral que muito me cativa. Recomendo muito a escuta do disco a solo dela "Runt Vigor".»