Dennis González (1954-2022)
Morreu o trompetista, compositor, artista visual, radialista, escritor, educador, linguista e trotamundos Dennis González.
A música de Dennis González (1954-2022) é conhecida dos melómanos portugueses mais atentos ao jazz criativo sobretudo através das suas gravações para a Clean Feed: “Idle Wild”, com os Spirit Meridian (ele, Oliver Lake, Ken Filiano e Mike Thompson), de 2005; “NY Midnight Suite” (2004) e “Dance of the Soothsayer’s Tongue (Live At Tonic)” (2007), com o seu quarteto nova-iorquino, no qual pontificavam ainda Ellery Eskelin, Mark Helias e Mike Thompson; com os Lisbon Improvisation Players de Rodrigo Amado gravou o incontornável “Spiritualized” (2006), ao lado do também já desaparecido Pedro Gonçalves (contrabaixo), do baterista Bruno Pedroso e do violoncelista Ulrich Mitzlaff; “No Photograph Available” (2006) com o Dennis González Boston Project; “A Measure Of Vision” (2007), com o trio do baterista e percussionista Alvin Fielder; e os soberbos “Scapegrace” (2009) e “So Soft Yet” (2011), com o pianista João Paulo Esteves da Silva. Os seus filhos Aaron (contrabaixista) e Stefan (baterista e vibrafonista) integram o Humanization 4tet, ao lado dos portugueses Luís Lopes e Rodrigo Amado.
González, nascido em Abilene, Texas, de ascendência mexicana, vivia há muito em Dallas e lega-nos uma vasta discografia que se espraia por dezenas de títulos na condição de líder, para além de participações em inúmeros outros discos. O seu instrumento principal era o trompete nas suas diferentes declinações, incluindo o pocket trumpet, embora na verdade fosse um completo multi-instrumentista, tocando também saxofone barítono, flauta, bateria e sintetizadores. O início da sua atividade remonta ao início da década de 1970. Em 1978, começou a trabalhar numa estação de rádio de Dallas, a KERA FM, onde realizou um programa intitulado “Miles Out” durante mais de vinte anos. Por esta altura criou a sua própria editora, a daagnim Records (sigla para Dallas Association for Avant-Garde and Neo Impressionistic Music), de alguma forma inspirada nos propósitos e práticas da AACM (Association for the Advancement of Creative Musicians), com base em Chicago. A sua música era atravessada por enorme espiritualidade, independentemente do registo em que se expressasse, fosse hard-bop avançado, free jazz ou qualquer outro.
A sua carreira internacional despontou quando tocou e gravou no seu estúdio caseiro com músicos de passagem por Dallas para tocarem no centro de artes Caravan of Dreams, em Fort Worth: John Purcell, Prince Lasha, John Blake, Ronnie Burrage, Charlie Burnham, Warren Benbow, Pheeroan akLaff e Kelvyn Bell. Em Nova Orleães começaria uma longeva associação com músicos como Alvin Fielder, Tim Green, Kidd Jordan, Marlon Jordan, Elton Heron ou Clyde Kerr, Jr. Na California associou-se a Sunship Theus, Henry Franklin, John Carter, Michael Sessions, Nels Cline e Alex Cline. Também na Europa estabeleceu frutuosas ligações com músicos como Elton Dean, Keith Tippett, Louis Moholo, Sidsel Endresen, Nils Petter Molvaer, John Stevens, Paul Rogers, Mark Sanders, Mark Hewins, Jim Dvorak, Lado Jaksa, para além dos já mencionados Amado, Esteves da Silva e Luís Lopes.
Ao longo do seu percurso teve ainda ensejo de tocar e gravar com figuras como Max Roach, Cecil Taylor, Charles Brackeen, Frank Lowe, Andrew Cyrille, Malachi Favors, Roy Hargrove, Fred Hopkins, Henry Grimes, Sabir Mateen, Roy Campbell, Jr., Olu Dara, Douglas Ewart e Hamid Drake, entre muitos outros. Em 2001 formou o trio Yells at Eels com os filhos Aaron e Stefan González, cujo trabalho mais recente é uma colaboração com os Pinkish Black, banda de rock experimental de Fort Worth, no álbum “Vanishing Light in the Tunnel of Dreams”, lançado em maio de 2020.
Pedro Costa, fundador e responsável da Clean Feed, e amigo próximo de González, disse: «O mundo perdeu um verdadeiro artista, trompetista, mariachi, artista visual, e muito mais. Eu perdi um grande amigo. O grande Dennis González morreu hoje e posso dizer-vos o quanto sentiremos a sua falta aqui.»