Guimarães Jazz 2019: entre o passado e o futuro
«Que é, pois, o tempo? (...) Se ninguém me perguntar, eu sei; porém, se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei» discorreu Santo Agostinho nas “Confissões”. O tempo – passado, presente e futuro – é o tema da edição deste ano do festival que nos fará ir até Guimarães no próximo mês de Novembro, à procura de respostas. O jazz nasceu antes do nosso tempo e continuará quando dele nos ausentarmos. Todos entramos com a locomotiva em andamento e apeamo-nos em iguais circunstâncias... A locomotiva continuará imparável, brilhante, inexplicável, atrelando as carruagens do passado e novos vagões que vão sendo enganchados. E isso é lindo.
O futuro será presente de 7 a 16 de Novembro e o auditório do Centro Cultural Vila Flor vai sincronizar vários tempos em tranches de uma hora e picos. Para os muitos alfacinhas, tripeiros, algarvios, viguenses e tantos outros que anualmente se encontram na cidade-berço, a sugestão é a de não se atirarem à estrada sem estarem munidos de bilhetes, pois os concertos esgotam. Os ditos já estão à venda e oscilam entre os 5 e os 15 euros.
Este ano é impossível não destacar dois bateristas, Han Bennink (foto acima) e Antonio Sánchez, e dois saxofonistas, Charles Lloyd e Joe Lovano. Quem nunca viu Bennink tocar não pode perder, a 11 de Novembro, o concerto com o baterista que batera tudo o que está à sua volta, com o bónus de o podermos ouvir com uma das grandes instituições do jazz europeu, a ICP Orchestra. Sánchez, que há muito tempo já deixou de ser conhecido como o baterista de Pat Metheny, gravou um disco notável a solo para a banda-sonora de “Birdman” e virá a Guimarães a 8 como o seu grupo Migration.
Charles Lloyd estará na cidade em quinteto no dia anterior, 7, e nunca é demais ouvi-lo: o seu saxofone alegre e a sua música de mágica simplicidade surpreendem-nos com frequência. Se voltar a tocar “Sombrero Sam”, como fez no Estoril Jazz há uns anos, dançaremos todos juntos. Joe Lovano tocará no dia 13 em trio com Marilyn Crispell no piano, numa maneira intimista de ouvir a sua música. É preciso ganhar fôlego, porque a estes ilustres somam-se mais dois: o concerto de Vijay Iyer e Craig Taborn juntará os dois pianistas a 9 de Novembro, o que é uma situação musical sempre interessante, sobretudo quando junta dois dos maiores nomes do piano da actualidade.
Por fim, teremos as actuações de nomes menos populares, mas não menos interessantes. Andrew Rathbun trará no dia 16 a grandeza orquestral com as suas “Atwood Suites” (inspiradas na poesia de Margaret Atwood e recentemente levadas para a televisão com a série “The Handmaid’s Tale”). O colectivo de músicos e construtores musicais Sonoscopia estará representado a 12 por uma banda luso-germânica chamada Ikizukuri, que usa o jazz não como linguagem, mas como atitude artística. Entre nós estarão igualmente o chicagoano Geof Bradfield (16 de Novembro) com o seu quinteto, a vocalista e compositora sueca Lina Nyberg acompanhada pela Orquestra de Guimarães (a 14, enquanto último capítulo de uma trilogia musical que é um manifesto político em defesa da natureza), Rudy Royston (15) e ainda o trio do pianista francês Stéphan Oliva (9), com Tom Rainey como baterista. Nada disto se antecipa menor, muito pelo contrário.
Neste contexto, não podemos deixar de fazer uma referência ao trabalho do Guimarães Jazz com as comunidades do Norte, apontando o concerto de 10 de Novembro com os jovens músicos da Big Band e do Ensemble de Cordas da ESMAE, que serão dirigidos pelo saxofonista Geof Bradfield depois de duas semanas de “workshop”. Além disso, também a 10 regressará a associação Porta-Jazz, com Miguel Moreira, Mário Costa, Lucien Dubuis, Rui Rodrigues e Valter Fernandes, para solidificar a presença de músicos portugueses, o que é uma das marcas deste festival e também uma das características que mais o distinguem. (Gonçalo Falcão)