Jazz em Agosto para que as coisas mudem
«Música para que tudo não fique na mesma» - é este o mote da edição deste ano do Jazz em Agosto, a decorrer no Anfiteatro ao Ar Livre e no Auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Os cabeças-de-cartaz serão Marc Ribot (a abrir, no dia 1 de Agosto), Mary Halvorson (fechando o festival a 11), Nicole Mitchell (dia 4) e Ambrose Akinmusire (dia 10, foto acima). As duas participações portuguesas acontecerão a 4, com Abdul Moimême a solo e um quarteto inédito formado por Ricardo Toscano, Rodrigo Pinheiro, Miguel Mira e Gabriel Ferrandini.
O tema político é desde logo introduzido pelo guitarrista cujo nome está ligado às músicas de Tom Waits e John Zorn – Ribot traz as suas “Songs of Resistance”, numa formação que inclui Jay Rodriguez (saxofone tenor, flauta), Brad Jones (contrabaixo), Ches Smith (bateria) e Reinaldo de Jesus (percussão). Se as canções do repertório a interpretar são explicitamente de protesto, a resistência é implícita no concerto que Maja S.K. Ratkje fará no final da tarde de dia 2 de Agosto, em «desrespeito selvagem pelas formas convencionais», como já assinalou a imprensa, juntando voz e electrónica. À noite, ouviremos a poesia interventiva de Amiri Baraka, dita por Thomas Sayers Ellis e Randall Horton e cantada por Nettie Chickering e Thea Matthews com o resto do elenco do projecto Heroes Are Gang Leaders, a saber James Brandon Lewis (saxofone tenor), Devin Brahja Waldman (saxofone alto, teclados), Heru Shabaka-Ra (trompete), Melanie Dyer (viola), Jena Camille (piano, voz), Brandon Moses (guitarra eléctrica), Luke Stewart (baixo eléctrico) e Warren Trae Crudup III (bateria).
As sessões de dia 3 começam com uma matinée do duo constituído pela saxofonista Ingrid Laubrock e pelo baterista Tom Rainey, seguindo-se à noite o metal-jazz de denúncia do grupo Burning Ghosts, formado por Daniel Rosenboom (trompete, corneta), Jake Vossler (guitarra eléctrica), Richard Lloyd Giddens Jr. (contrabaixo) e Aaron McLendon (bateria). A 4, depois de uma tarde reservada para cinco dos mais consequentes músicos da cena nacional (a guitarra eléctrica de Abdul Moimême em sobrepreparações, quase não se vendo o instrumento, e o saxofone alto pós-bop de Toscano a cruzar forças com o pós-free de Pinheiro ao piano, de Mira no violoncelo e de Ferrandini na bateria), será a vez de a flautista e compositora Nicole Mitchell apresentar “Mandorla Awakening II: Emerging Worlds”, na companhia de Avery R. Young (voz), Tomeka Reid (violoncelo, banjo), Mazz Swift (violino), Kojiro Umezaki (shakuhachi), Alex Wing (guitarra eléctrica, oud, theremin), Tatsu Aoki (contrabaixo, shamisen, taiko) e Jovia Armstrong (percussão). O tema da obra que se ouvirá é a construção de um mundo igualitário em que a tecnologia está finalmente sintonizada com a natureza.
Depois de uma pausa, o Jazz em Agosto retoma no dia 8 com dois grupos franceses. À tarde, os Abacaxi do guitarrista francês Julien Desprez, com este, Jean François Riffaud (baixo eléctrico) e Max Andrzejewski (bateria, sintetizador) a accionarem as luzes do palco através dos seus próprios instrumentos. Será mais um caso de música implicitamente revolucionária, este partindo de algumas das características do rock. A noite pertence ao violinista Théo Ceccaldi e ao seu projecto “Freaks”, com Mathieu Metzger nos saxofones alto e barítono, Quentin Blardeau no saxofone tenor, nos teclados e na voz, Giani Caserotto em guitarra eléctrica e teclados, Valentin Ceccaldi no violoncelo e Étienne Ziemniak na bateria. Sobre estes Freaks a crítica escreveu já que se trata de um punk-jazz «psicadélico, desenfreado e contrastante», onde cabe tanto Stravinsky quanto trash metal.
O dia 9 de Agosto chega com uma dupla de bateristas / percussionistas, formada por Joey Baron e Robin Schulkowsky, o primeiro conhecido pelo trabalho que desenvolveu com os Naked City de Zorn ou, hoje, com Marc Copland e a segunda pelas suas interpretações de compositores como Karlheinz Stockhausen e Iannis Xenakis. E continua, pela noite fora, com um triplo duo (e daí o nome Triple Double) liderado pelo também baterista Tomas Fujiwara, com Gerald Cleaver na outra bateria, as guitarras eléctricas de Mary Halvorson e Brandon Seabrook, o trompete de Ralph Alessi e a corneta de Taylor Ho Bynum. A composição e as improvisações exploram uma infinidade de combinações possíveis.
O pôr-do-Sol de dia 10 faz-se com o duo de Zeena Parkins (harpa eléctrica) e Brian Chase (bateria e percussão), ambos com actividade nos domínios do pop-rock (ela com Bjork, ele com os Yeah Yeah Yeahs) e da música experimental e improvisada. Após o jantar, ouviremos “Origami Harvest”, proposta do trompetista Ambrose Akinmusire (teclados igualmente) que versa a temática do racismo nos Estados Unidos de Trump, num sincretismo de jazz, funk, soul e hip-hop com o “rapper” Kokayi, os teclados electrónicos e o piano de Sam Harris, a bateria de Justin Brown e um quarteto de cordas, o Mivos Quartet, constituído por Olivia de Prato e Maya Bernardo nos violinos, Victor Lowrie Tafoya na viola e Tyler J. Borden no violoncelo.
Para o último dia do festival da Gulbenkian ficam primeiro os ciber-futuristas ERIS 136199 de Han-earl Park (guitarra eléctrica, electrónica) com o guitarrista Nick Didkovsky (o mesmo da banda seminal Doctor Nerve) e a saxofonista tenor Catherine Sikora e, depois, Mary Halvorson com “Code Girl”, num grupo que inclui a cantora de origem indiana Amirtha Kidambi, a saxofonista (tenor, além de segunda voz) Maria Grand, o trompetista Adam O’Farrill, o contrabaixista Michael Formanek e o baterista Tomas Fujiwara. De realçar que as letras de pendor feminista, ainda que não panfletário, são da própria Halvorson.