, 17 de Agosto de 2023

A propósito de One Small Step: o sapateado e o jazz

texto: Gonçalo Falcão

O disco “Gol Variations” dos One Small Step, recentemente editado pela Clean Feed dá-nos o pretexto para rever a ligação umilical perdida, valorizando ainda mais o trabalho de Janne Eraker e do grupo que faz regressar o sapateado ao jazz, numa forma totalmente nova.

As origens do sapateado remontam a 1500, quando africanos escravizados embarcados eram trazidos para o convés e forçados a dançar para entreter as populações (Emery, Lynne Fauley. Black Dance: From 1619 to Today. Second,1988.). Na ausência dos tambores tradicionais africanos, os escravos dançavam ao som de baldes e tinas virados ao contrário batendo no tabuado dos navios. O chocalhar e as restrições impostas pelo acorrentamento forçam mudanças nas danças africanas; ao chegar à América do Norte, os africanos são expostos às danças de salão europeias como a quadrilha e o cotilhão, das quais adotam figuras e padrões, mantendo a rítmica africana (Szwed, John and Morton Marks. "The Afro-American Transformation of European Set Dances and Dance Suites," Dance Research Journal, Vol. 20 No. 1, Summer, 1988)).

Inventaram a dança percussiva, com sapatos de madeira, por vezes colocando moedas na ponta e no calcanhar para aumentar o efeito rítmico. O sapateado ganhou expressão e popularidade – como o jazz – com o fim da guerra civil, passando a integrar os espetáculos de menestréis e Vaudeville, contribuindo decisivamente para a onda criativa do Harlem e para a valorização das formas criativas negras.

Nos alvores do século XX, o sapateado explode nos Estados Unidos, unindo-se ao ragtime numa série de danças que hoje unimos sobre o chapéu do Lindy Hop. As bandas para dançar na downtwn novaiorquinas estão “jassing up” (mais sincopadas, mais rápidas). Florenz Ziegfeld usa tudo o que estava a ser criado no Harlem nas suas Follies (1914) nos palcos da Broadway, para uma audiência branca. 

Estamos nos anos vinte – “a Era do Jazz” – e dançarinos negros e brancos descobrem o poder rítmico do jazz, que se transforma num divertimento noturno. O jazz sapateado - que aproveita os novos motivos rítmicos intrincados – sobressai, separando-se das outras formas de sapateado, combinando velocidade, liberdade e um grande poder rítmico.

Nos anos 30 e 40, o Swing das bandas de Count Basie e Duke Ellington é perfeito para os hoofers e rapidamente passa dos clubes para o cinema, de modo a ficar acessível a toda a américa e não só aos frequentadores da vida noturna de Chicago e Nova Iorque. Foi imortalizado pelos filmes musicais de Hollywood como “Swing Time” (1936), com Fred Astaire e tantos outros.

A segregação negou aos sapateadores negros o acesso à indústria cinematográfica branca. Bailarinos negros como John Bubbles mantiveram a tradição do sapateado rítmico enquanto os brancos como Gene Kelly desenvolveram um estilo mais balético da Broadway, em que os ritmos eram menos importantes, valorizando a integração da dança na narrativa do musical. 

A partir de 1950 a presença do sapateado em filmes e espetáculos entra em declínio em favor de outras formas de dança da Broadway.

Nos anos 90 há um ressurgimento do sapateado irlandês e do americano. Contudo a ideia de que o sapateado pode ser um instrumento musical e interagir musicalmente com outros instrumentos e que a dança não é uma forma fixada, mas sim um processo, uma técnica, que pode evoluir e ser usada em contexto criativo (e não apenas funcional) é nova e Janne Eraker é, neste aspeto, precursora.

 

Agenda

04 Outubro

Carlos Azevedo Quarteto

Teatro Municipal de Vila Real - Vila Real

04 Outubro

Luís Vicente, John Dikeman, William Parker e Hamid Drake

Centro Cultural de Belém - Lisboa

04 Outubro

Orquestra Angrajazz com Jeffery Davis

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

04 Outubro

Renee Rosnes Quintet

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

05 Outubro

Peter Gabriel Duo

Chalé João Lúcio - Olhão

05 Outubro

Desidério Lázaro Trio

SMUP - Parede

05 Outubro

Themandus

Cine-Teatro de Estarreja - Estarreja

06 Outubro

Thomas Rohrer, Sainkho Namtchylak e Andreas Trobollowitsch

Associação de Moradores da Bouça - Porto

06 Outubro

Lucifer Pool Party

SMUP - Parede

06 Outubro

Marta Rodrigues Quinteto

Casa Cheia - Lisboa

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