, 27 de Junho de 2023

O jazz segundo Charlie Watts

É lançada no dia 30 de junho pela BMG uma coletânea que reúne gravações dos grupos de jazz do antigo baterista dos Rolling Stones, Charlie Watts (1941-2021). “Anthology” cobre duas décadas e grupos de diferentes configurações instrumentais.

É lançada no dia 30 de junho pela BMG uma compilação que reúne gravações dos grupos de jazz do antigo baterista dos Rolling Stones, Charlie Watts (1941-2021). “Anthology” cobre duas décadas e grupos de diferentes configurações instrumentais, incluindo com o contrabaixista Dave Green (amigo de infância) e com os saxofonistas Peter King, Courtney Pine e mesmo o mais vanguardista Evan Parker. Será editada em dois CD e quatro LP, bem como estará disponível nas plataformas digitais.

Apesar de ser reconhecido como um dos grandes bateristas de rock, a sua paixão foi sempre o jazz. O seu modo de tocar bateria, económico, sem adornos desnecessários e sempre fluido, deve muito ao seu amor pelo jazz durante sete décadas. Na biografia do baterista recentemente lançada em Portugal, “Charlie’s Good Tonight: A Vida, a Época e os Rolling Stones” (Harper Collins), do jornalista e radialista britânico Paul Sexton, o antigo manager e produtor dos Stones, Andrew Loog Oldham, escreveu: «Estava com os Stones, mas não era um deles; tinha um ar muito triste, como se o tivessem mudado para lá nessa noite do Ronnie Scott’s ou do Birdland, onde tocava noutro tempo e noutro espaço.»

Charlie Watts começou a desenvolver o gosto pelo jazz ao lado do seu amigo Dave Green (mais tarde contrabaixista em vários dos seus grupos), comprando e escutando juntos discos de 78 rpm de Charlie Parker, Duke Ellington, Jelly Roll Morton, Miles Davis. Talvez Parker acima de todos: «Sinto que sou o que sou graças a este homem», disse Watts certa vez. «Todos os bateristas que tenham ouvido quereriam tocar com o Charlie Parker.» Idolatrava bateristas como Art Blakey, Max Roach, Kenny Clarke, Roy Haynes e Tony Williams. Mas os genes do jazz circulavam na família: um tio, Lennie Peters, pianista e cantor, liderou o grupo The Migil Five, que mais tarde se converteria à pop.

Em 1960, ainda antes de sair da escola de artes que frequentava, publicou um pequeno livro de homenagem a Charlie Parker, “Ode to a High-Flying Bird”, que ele próprio escreveu e ilustrou. Watts começou por tocar banjo em grupos de skiffle, instrumento que desmembraria para incorporar partes no seu kit de bateria. Na altura estava enfeitiçado pela forma de tocar de Chico Hamilton nos grupos de Gerry Mulligan. Enquanto viveu uma temporada em Copenhaga, a trabalhar como designer gráfico, em 1961, chegou a tocar com o saxofonista Don Byas.

Tocou em vários grupos de blues e jazz antes e durante as quase seis décadas de Rolling Stones. Primeiro os Joe Jones Seven, liderados pelo trompetista Brian “Joe” Jones - não confundir com o seu futuro colega nos Stones, desaparecido em 1969, nem com os bateristas norte-americanos Jo Jones e Philly “Joe” Jones - e depois os Blues Incorporated. Foram precisos arte e engenho para o convencerem a integrar os Rolling Stones. Charlie não gostava de rock’n’roll. Keith Richards anotou no seu diário: «O Charlie tem muito swing, mas não tem jeito para o rock’n’roll.»

Watts era um homem atento e informado: nos tempos em que os Stones gravaram “Exile on Main Street” Watts ouvia bastante Albert Ayler, revelando interesse por um jazz mais livre. Em digressão, sempre que podia ia a lojas de discos e a clubes de jazz. Certa vez, em Nova Iorque, escapou-se mais ou menos incógnito para ir a um concerto do trio de Charles Mingus, com Danny Richmond e Sonny Rollins. Este último viria a colaborar com os Stones no tema “Waiting on a Friend”, do álbum “Tattoo You” de 1981. Sobre a (fortíssima, central) influência dos blues no som dos Stones, Watts disse, em 1966: «Vendemos a nossa música a miúdos americanos que, certamente, nunca ouviram falar das pessoas de quem copiamos metade das nossas músicas.»

Formou uma big band - a Charlie Watts Orchestra - que esteve em residência no clube Ronnie Scott’s (onde tocou inúmeras vezes ao longo dos anos) durante uma semana, com a qual atravessou o Atlântico e com quem gravou “Live at Fulham Town Hall”. Em 1991, editou o mini-álbum “From One Charlie” (juntamente com a reedição do seu livrinho sobre Charlie Parker) com Dave Green, o saxofonista e diretor musical Peter King, o pianista Brian Lemon e o trompetista Gerard Presencer. No ano seguinte foi a vez do álbum ao vivo “Tribute to Charlie Parker and Strings” e em 1993, “Warm & Tender”. Em “Long Ago & Far Away”, de 1996, revisitou os cancioneiros de Cole Porter, George Gershwin e Hoagy Carmichael.

Lançado no verão de 2004, “Watts at Scott’s” reúne gravações efetuadas no clube londrino três anos antes com o seu decateto (que incluia o percussionista português Luís Jardim). Há uma curiosa versão de “(I Can’t Get No) Satisfaction”, intitulada… “Faction”. Com os pianistas de boogie-woogie Ben Waters e Axel Zwingenberger deu concertos como The ABC of Boogie-Woogie (formado pelas iniciais dos seus nomes próprios). Mais tarde juntou-se-lhes Dave Green (e o seu D).

Mas Watts não se contentava em tocar e comprar os discos dos seus ídolos, tinha também de ter as baterias em que estes haviam tocado. Comprou à viúva de Kenny Clarke a bateria que Max Roach oferecera ao marido; tinha também na sua coleção as baterias de Sonny Greer, quando este tocava na orquestra de Ellington, e a de Big Sid Catlett. Tinha acetatos de Billie Holiday e Gene Krupa, relógios de Benny Goodman. Gostava também de oferecer prendas caras aos seus amigos, como um pequeno (e raro) livro sobre o pianista de boogie-woogie Pete Johnson, que deu a Jools Holland.

Charlie Watts foi um homem que adorava tocar em clubes de jazz e que tocou para milhões de pessoas em estádios de futebol ao longo da carreira. Ele era a antítese da estrela de rock: um homem reservado que valorizava sobretudo a sua vida privada longe da fama. Entrou para os Rolling Stones em 1963 e é um dos três elementos da banda a participar em todos os álbuns de estúdio, a par de Mick Jagger e Keith Richards. Foi Richards quem disse: «Charlie era o que se via, Charlie. O gajo mais autêntico que conheci.»

Também aquando da morte de Charlie Watts em agosto de 2021, Pete Townshend dos The Who escreveu: «O Charlie Watts chorou no funeral do Keith Moon [N. do A.: antigo baterista dos The Who, falecido em 1978]. Oxalá fosse capaz de chorar assim agora. Não era um baterista de rock, era um baterista de jazz, era por isso que os Stones tinham tanto swing como a banda do Basie.» 

Agenda

04 Outubro

Carlos Azevedo Quarteto

Teatro Municipal de Vila Real - Vila Real

04 Outubro

Luís Vicente, John Dikeman, William Parker e Hamid Drake

Centro Cultural de Belém - Lisboa

04 Outubro

Orquestra Angrajazz com Jeffery Davis

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

04 Outubro

Renee Rosnes Quintet

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

05 Outubro

Peter Gabriel Duo

Chalé João Lúcio - Olhão

05 Outubro

Desidério Lázaro Trio

SMUP - Parede

05 Outubro

Themandus

Cine-Teatro de Estarreja - Estarreja

06 Outubro

Thomas Rohrer, Sainkho Namtchylak e Andreas Trobollowitsch

Associação de Moradores da Bouça - Porto

06 Outubro

Lucifer Pool Party

SMUP - Parede

06 Outubro

Marta Rodrigues Quinteto

Casa Cheia - Lisboa

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