Editoras com história(s): Verve, 26 de Abril de 2023

Editoras com história(s): Verve

Sobre uma equação com verve

texto: Sofia Alexandra Carvalho

Depois de ter olhado para a história das editoras Blue Note e Impulse!, Sofia Alexandra Carvalho aponta o foco a mais uma editora fundamental da história do jazz. Na rubrica “Editoras com história(s)”, olhamos desta vez para a Verve Records.

 

He’s not a performer,
he’s not a composer,
he’s not even a musician,
but Norman Granz
is Mr. Jazz.
Oscar Peterson

 
A equação é antiga e, por isso, atual e vigorosa. Fixada com audácia e fina ironia por Almada Negreiros em “Direcção Única” (1932), antecipada pela linhagem da poesia lírica, esta equação traduz-se numericamente, assim: 1+1=1. A variável é a mesma, mas o modo de a combinar conduz a resultados surpreendentes. O mesmo é dizer que por detrás de uma enterprise singular, melhor, de uma equação com verve há mais um rosto que se destaca no mundo editorial do jazz: Norman Granz (1918-2001), tal como vinculado no paratexto.

Filho de imigrantes russos judeus, Granz ostentava um perfil elegante e desportivo (a sua paixão por ténis acompanhá-lo-ia, sempre) e, ainda no Theodore Roosevelt High School, em Boyle Heights, fora impulsionado pelo seu amigo Archie Green (1917-2009), estudioso da cultura folclórica americana, a dedicar-se a leituras de foro político, mais especificamente, a compulsar uma publicação, intitulada “The New Republic”, cuja agenda tinha como mote a “servidão da desigualdade” (cf. Havers*, 2013: 54).

Ainda estudante, trabalhou numa loja de roupa, aos sábados, sem nunca abandonar o seu flirt com a política. Nesta altura, revela já sinais de um claro pendor comunista e interventivo, sobretudo, quando se junta ao ramo de músicos do Partido Comunista de Los Angeles, aspeto que marcará significativamente a sua passagem pelo mundo editorial jazzístico.

Em 1936, Granz tem o firme propósito de frequentar a UCLA, mas passado dois anos desiste do curso. Em 1939, decide ir ver uma WPA**, espécie de versão em tour de “The Swing Mikado”, uma produção do WPA Federal Theatre Project, considerada uma iniciativa política de esquerda.

Segundo Archie Green, Granz não revelara, nos seus tempos de estudante, nenhum interesse superlativo por música. No entanto, a sua paixão manifesta-se no momento em que ouve uma sessão de gravação de Coleman Hawkins e a sua orquestra, num estúdio de Nova Iorque, datada de 11 de Outubro de 1939, mas oiça-se o que diz o produtor a este respeito: «I heard "Body and Soul"! That introduced me to real jazz.» (Havers, 2013: 57).

A ignição estava feita. Na verdade, Granz não estava longe do epicentro da comunidade afro-americana, em Los Angeles, com o seu ritmo jazzístico a ecoar pelas avenidas. A atmosfera musical que o circundava, nestes anos de formação, foi crucial para a equação que, paulatinamente, se iniciara a esboçar no espírito deste jovem.

Em 1941, após o ataque a Pearl Harbor, Granz voluntaria-se para o Army Air Corps e, no final desse ano, arranja um part-time como aprendiz de editor de filmes. Nessa mesma altura, estava em cena no Mayan Theater, em Los Angeles, um musical de fôlego escrito por Duke Ellington, intitulado “Jump For Joy”, que Granz fora ver. Aqui, conhece a sua dileta Marie Bryant, bailarina e professora afro-americana, que trabalhou com Marlon Brando, Debbie Reynolds, Bob Hope, Lucille Ball, Cyd Charisse, Ava Gardner e Mitzi Gaynor. Mas não só. Ainda neste contexto artístico e sociocultural, Granz estabelece uma forte amizade com Nat King Cole e, através deste, com Count Basie e Art Tatum. Conheceu, ainda, Billie Holiday, aquando das suas míticas sessões no Café Society.

Em 1942, falhando as provas do seu teste de voo, Granz deixa o Army Air Corps e, sem perder o drive musical, decide apanhar um autocarro e ir até ao centro nevrálgico da cena jazzística: Nova Iorque, com a sua mítica 52nd Street. No início do verão de 1942, Granz já organizava jam sessions, aos sábados à tarde, no Trouville (Beverly e Fairfax), um clube de jazz dirigido por Billy Berg, com as presenças de Lee e Lester Young e o trio de Nat King Cole, entre tantos outros que surgirão, posteriormente, nos catálogos da Clef, Norgran e Verve.

Em 1943, é medicamente dispensado do exército e a sua luta pelos direitos civis começa a ganhar fortes contornos. Será, pois, através da música, que o seu ativismo político se revelará, derrubando os muros da segregação.

Após o êxito das jam sessions, Granz eleva as regras do jogo e transfere as sessões jazzísticas para Music Town, um pequeno hall localizado entre as ruas Jefferson e Normandie, em Los Angeles. Este movimento, que agora pode parecer insignificante e irrisório, comportava, à época, uma mudança climatérica: apresentar a música jazz, sob a égide de um ambiente inovador e fresco, longe do sfumare dos clubes noturnos. Em 1944, o salto acontece: as míticas JATP – Jazz at the Philharmonic Orchestra***  – começam a ganhar forma e espaço para um auditório integrado, mas oiça-se o produtor: «The whole reason for Jazz at the Philharmonic was to take it to places where I could break down segregation.» (Havers, 2013: 66)

Compreende-se, agora, a maneira como as vertentes política e artística encontram um perfect match nesta figura: além de um exímio colecionador de sons, segundo Oscar Peterson, em "Out Of The Norm, The Life Of Norman Granz" (BBC Radio 2), Granz combinava elementos variegados que provocavam faísca e reação no mundo.

O espírito irrequieto, inconformista e eclético de Granz condu-lo a uma nova aventura na companhia de Gjon Mili, fotógrafo albanês que trabalhava para a revista “Life”. O resultado dessa aventura intitula-se "Jammin' the Blues" (1944), uma curta-metragem, espécie de “sinfonia da meia-noite”, realizada por ambos, sob a égide da Warner Bros. Esta curta procura recriar a atmosfera dos clubes de jazz e das jam sessions, contando com a colaboração do saxofonista tenor Lester Young, o baixista Red Callender, o trompetista Harry Edison, o pianista Marlowe Morris, o baterista Sid Catlett e o guitarrista Barney Kessel, entre outros artistas proeminentes da cena jazzística.

Em 1945, Granz decide marcar uma breve tour para a JATP, cujo modelo heterodoxo desconsiderava a discórdia estilística, em voga na altura, entre músicos tradicionalistas, beboppers e músicos swing. Na Primavera de 46, os moldes ambiciosos da digressão, que terminou no Carnegie Hall em Nova Iorque, colocaram em cena Billie Holiday, Lester Young, Coleman Hawkins, Buddy Rich, Sarah Vaughan e Meade Lux Lewis. O êxito das JATP foi tremendo, tendo sido transmitidas também na rádio.

Um dos pontos estratégicos de Granz era apostar na divulgação e promoção dos seus concertos: desde anúncios na rádio, passando pelos jornais, até à exposição de cartazes. No entanto, este ponto estratégico encontrava-se aliado a um intento maior: a luta contra a segregação****. Por forma a cumprir este intento, Granz incluíra nas obrigações contratuais das JATP, ponto de honra do qual não abdicaria, uma cláusula que obrigava os promotores locais a assegurar a não segregação nos eventos programados, cujo mote se poderá encontrar na seguinte máxima do produtor: «Jazz is America’s own. It is played and listened to by all peoples – in harmony together. Pigmentation differences have no place... As in genuine democracy, only performance counts.» (Havers, 2013: 67) A par disto, um novo golpe de mestre fortalecia a equação com verve: a gravação de todas as JATP.

Em 1947, Granz conhece a sua futura esposa, Loretta, numa JATP. Casam-se em 1950, mas um trágico acontecimento, a morte da filha, abala os alicerces do casamento. Divorciam-se em 1953 e Granz preserva consigo, até ao final da sua vida, uma fotografia da sua filha. A única maneira de sanar esta dor insanável foi continuar a trabalhar árdua e devotamente e, por isso, ainda em 1950, Granz aposta numa estratégia transatlântica: levar as JAPT até à Europa. Estes concertos europeus contaram com as presenças incandescentes de Ella Fitzgerald, de quem Granz desejaria ser manager, Roy Eldridge, Lester Young, Flip Phillips e Oscar Peterson. Em 1953, as JATP têm lugar no Japão, com mais de vinte concertos programados para as cidades de Tóquio e Osaka.

Em 1954, dá-se a tão ansiada viragem: Granz torna-se manager de Ella Fitzgerald. O primeiro movimento deste astuto empresário foi libertar a cantora do contrato com a Decca Records que, segundo o produtor, não conseguia estar à altura do brilho de Ella. A verdade é que o jovem empresário conseguiu atingir esse feito, dezoito meses antes do contrato findar. A equação com verve adquire aqui os seus motivos inspiradores: era necessário criar uma editora, que se tornasse o veículo justo para os discos desta deusa do jazz, afastando-a do ciclo desgastado dos clubes noturnos.

O anúncio da criação da Verve Records, previsto para o final do ano de 1955, já estava na calha da “Billboard” e, segundo o produtor, seria Buddy Bregman, com vinte e quatro anos, a gerir o dia-a-dia da Verve. Em 1957, as JATP nacionais conhecem o seu fim. Em 1958, Granz assina contrato com Duke Ellington, com quem trabalhará, afincada e alegremente, durante a próxima década. Aliás, sob a sua orientação, o compositor criará as partituras para os filmes “Anatomy Of A Murder” (1959) e “Paris Blues” (1961).

Mas a verdade é que a Verve surgiu como o espaço perfeito para acolher a voz de Ella Fitzgerald. Aliás, no dealbar de 1956, Granz ocupou uma página inteira da “Billboard” com um anúncio que continha o logótipo da editora e um cabeçalho que fixava orgulhosamente a seguinte divisa: «we got ELLA!» (Havers, 2013: 200). 

A razão por detrás do nome da editora continua envolta em grande mistério. Todavia, Havers refere uma possível ligação entre o nome da editora e a saída a lume de uma revista, datada de 1937, fundada por Efstratios Tériade, que ostentava o título “Verve”. O primeiro número desta revista combinava uma litografia maravilhosa de Matisse com trabalhos de outros artistas, inclusive Picasso, artista que Granz muito admirava e com quem estabeleceu uma amizade. Os primeiros álbuns a sair em 1956, com a chancela da Verve, foram “Anita” de Anita O’Day, “Toni Harper Sings”, acompanhado com o trio de Oscar Peterson, e “In A Romantic Mood” de Oscar Peterson. 

O mês de Janeiro foi delirante e, no dia 25 desse mês, acontecia a primeira sessão de gravação de Ella Fitzgerald para a sua nova casa editorial. As suas primeiras gravações foram dois singles: “Stay There” e “A Beautiful Friendship”. Este último, o seu primeiro hit em três anos. Duas semanas após esta gravação, Ella regressa aos estúdios para gravar um dos álbuns que marcou a década de 50, quer para a artista quer para a editora, "Ella Fitzgerald Sings The Cole Porter Songbook". É este um álbum duplo, lançado a 15 de Maio de 1956, que contém trinta e duas faixas, mas oiça-se a nota impressiva de Richard Havers: «The combination of Ella and Porter is irresistible, and whether up-tempo or down-tempo, Ella three-octave-range voice soars effortlessly as she makes each song come to life.» (Havers, 2013: 203)

A um terço deste annus mirabilis, a Verve já tinha gravado o baterista Louie Bellson, o guitarrista Tal Farlow, o baterista Gene Krupa e Fred Astaire. As gravações ampliam o milagre e, com a progressão do ano, surgem edições de Roy Eldridge, Bing Crosby, Billie Holiday, com o álbum autobiográfico Lady Sings The Blues (Junho de 1956), Ella Fitzgerald e Louis Armstrong, com a masterpiece "Ella and Louis", Harry Edison, Blossom Dearie, Bud Powell, Charlie Barnet e a sua orquestra, Stuff Smith, Stan Getz e Kid Ory. Apenas a Blue Note poderia competir com o exímio catálogo da Verve. Esta editora fecha, assim, o seu primeiro ano com brilho: primeiro e quarto lugares no “Billboard Jazz Best Sellers”, com os álbuns “Ella and Louis” e “The Cole Porter Songbook”, respectivamente. 

A acompanhar a qualidade sonora da Verve está a figura de David Stone Martin, designer, artista autodidata e freelancer que criou, a transbordar de cor, as capas vívidas, fortes e intensas da editora. Martin e Granz conheceram-se em 1948, através da Ash Records, e estimam-se mais de 400 capas da sua autoria, sob a égide da Clef, da Norgran e da Verve. Uma das séries mais icónicas é, sem dúvida, a de Charlie Parker, para a capa de JATP (1945), porém, uma das menos óbvias é a de Porgy & Bess (1957). Martin deixou a editora, justamente, no momento em que Granz a vendeu para a MGM, nos finais dos anos 60, ainda que tenha continuado a fazer algumas capas ocasionais, sendo as mais recentes datadas dos anos 80. 

O ano de 1957 traz consigo novidades editoriais e iniciativas comerciais lucrativas e inovadoras: a Verve lança a vanguarda do som hi-fi (a reel-to-reel tape), para audições em casa e, em Fevereiro, promove “A hit every day in February”, que contém onze novas edições e dezassete pacotes da série de jazz da Clef. Gravam-se ainda "Soft Sands" de Oscar Peterson; "Birks Works" de Dizzy Gillespie; "Very Cool", o álbum début de Lee Konitz; mais um "Songbook" por Ella, acompanhada por Duke Ellington, e um álbum de Ricky Nelson, deslocado da cena jazzística. O responsável financeiro pela Verve, Mo Ostin, afirma que as vendas de Ricky Nelson atingiram um milhão de cópias.

Em Julho de 1957, a partir das gravações de Newport Jazz Festival, em Rhode Island, a Verve iniciou uma campanha audaz e ambiciosa, com a edição de onze álbuns. O que deveria ter sido a joia da coroa, o LP que unia as duas grandes deusas do jazz, Ella Fitzgerald e Billie Holiday, revelou-se um verdadeiro flop.

Ella e Louis voltam a gravar juntos, saindo a lume "Ella and Louis Again", e em Agosto do mesmo ano gravam "Porgy & Bess", mais um triunfo editorial do catálogo de exceção da Verve. Antes do final do ano, e dando vazão à qualidade extraordinária de formar pares improváveis, Granz edita "Louis Armstrong Meets Oscar Peterson".

O ano de 1958 comporta boas notícias para a editora com três álbuns da Verve a imperar na “Billboard”: “Ella and Louis”, “Ella Fitzgerald Sings The Irving Berlin Songbook” e “Ella Fitzgerald Sings The Duke Ellington Songbook”. Os grandes discos deste ano contemplam outras edições da Verve, tais como: "Anita Sings The Most"; "Songs For Distingué Lovers" de Billie Holiday; "Ella Swings Lightly" e "Oscar Peterson at the Concertgebouw".

Antes de 5 de Janeiro de 1959, Norman Granz e Ella Fitzgerald começam a trabalhar no álbum "Ella Fitzgerald Sings The George And Ira Gershwin Songbook" e saem a lume "Sonny Stitt Sits In With the Oscar Peterson Trio" e "A Jazz Portrait Of Frank Sinatra", um tributo feito pelo trio de Oscar Peterson. Mais um ano prolífico para a Verve, embora algumas edições se demarcassem da linha editorial do Mr. Jazz, tais como a edição de Randy Sparks, de tonalidade mais folk, e "Inside Shelley Berman" e “Outside Shelley Berman”.

A natureza insaciável e divergente de Granz***** agudiza o seu interesse por diferentes expressões artísticas. Tal como defendido por Havers, o produtor surge no panorama musical como um verdadeiro homem do Renascimento: desde o gosto pela música, passando pela literatura e pela pintura, até à paixão epicurista pelo vinho e pela boa comida. Granz muda-se para Lugano, na Suíça, em 1959, e começa a colaborar com diferentes artistas, tais como os actores Yves Montand e Marlene Dietrich. Entretanto, a paisagem sonora do jazz sofre inúmeros choques com as mortes de Charlie Parker, em 1955, e de Lester Young e Billie Holiday em 1959. 

No acme do seu sucesso, em 1960, Granz decide vender a Verve Records à MGM, não sem antes gravar Lee Konitz e Stan Getz. Uma das edições mais ecléticas deste ano foi o álbum “Soul, Soul Searching” de Katie Nubin, uma cantora gospel evangelista e mãe da Sister Rosetta Tharpe. 

Contudo, a história financeira da Verve, com os seus empréstimos e juros altíssimos, começa a irromper nas páginas dos jornais, enquanto Granz se encontrava em Berlim com Ella a gravar "Mack The Knife – Ella in Berlin". Após o seu regresso da Europa, Ella grava ainda canções para o filme “Let No Man Write My Epitaph” (1960) e, no final deste ano, grava dois álbuns: “The Harold Arlen Songbook” e “Ella Wishes You a Swinging Christmas”.


Norman Granz


Em 1965, Granz casa em Las Vegas com Hannelore Herold, uma hospedeira da Lufthansa, divorciando-se três anos depois. Em 1968, o produtor conhece Pablo Picasso e, enquanto seu admirador, adquire e coleciona inúmeros quadros do Artista, chegando a nomear a sua casa da Suíça, como “The House of Picasso”.

Em 1973, funda a editora Pablo Records, cujo repertório incluía artistas que admirava e com quem trabalhara: Joe Pass, Duke Ellington, Count Basie, John Coltrane, Dizzy Gillespie e Sarah Vaughan. Em 1974, casa com Grete Lyngby, uma artista gráfica dinamarquesa. Em 1987, a Fantasy Records adquire a Pablo Records, com um espólio de mais de 300 edições e um número considerável de gravações inéditas de Granz. Mesmo após a venda da Pablo Records, Granz continuou a gerir as carreiras de Ella Fitzgerald e Oscar Peterson. Em 1995, produz “Improvisation”, um filme retrospetivo, estreado em 2004, que inclui muitos dos artistas com quem trabalhou, a par de imagens inéditas de Charlie Parker filmadas em 1950 por Granz e Gjon Mili.

Recusou, em 1994, a atribuição do Prémio Life Achievement da National Academy of Recording Arts and Sciences, afirmando: «I think you guys are a little late.» (Havers, 2013: 76) Afirmação justíssima, proferida por um homem à frente do seu tempo. Porém, em 1999, Oscar Peterson aceita, em seu nome, o Lifetime Achievement Award da Jazz at Lincoln Center. 

Inovador e visionário, Granz morre em 2001 na Suíça, deixando à humanidade um legado revolucionário no mundo da música e do ativismo político. Mas a história da editora não termina aqui. 

O ponto sedutor e atrativo para a MGM foi, indubitavelmente, Ella Fitzgerald. Creed Taylor entra em cena e, de modo portentoso, assevera querer alterar o logótipo e o look da editora fundada por Granz. Antes das mudanças pretendidas por Taylor, a Verve mostra, uma vez mais, a sua robustez: “Gerry Mulligan And The Concert Jazz Band At The Village Vanguard” ganha a melhor banda em LP e “Mel Tormé Swings Shubert Alley”, o melhor artista masculino de jazz.

No Verão de 1961, com trinta e dois anos e tendo trabalhado para a ABC-Paramount, desde 1956, e fundado a Impulse!, Creed Taylor começa a deixar a sua marca: Cal Tjader e Kai Winding assinam para a Verve. Na Primavera desse mesmo ano, o governo americano contribui para o aumento do espólio e dos fundos da Verve ao enviar o guitarrista Charlie Byrd para uma digressão diplomática pela América do Sul. Fruto dessa tour, a Verve edita, a meio de Setembro de 1962, o álbum “Jazz Samba”: a bossa nova torna-se the new thing e, em Março de 1963, o álbum entra para número 1 da tabela “Billboard”. Tudo isto fazia parte do plano de Taylor: tornar o jazz mainstream. 

Antes da entrada na tabela do álbum “Jazz Samba”, Taylor coloca Stan Getz e a Gary McFarland Orchestra a gravar "Big Band Bossa Nova", bem como Carl Tjader a gravar “Weeping Bossa Nova (Choro e Batuque)”. Antes do final do ano, Ella grava o single “Stardust Bossa Nova” e, na passagem do ano, surge ainda o álbum "Luiz Bonfá Plays and Sings Bossa Nova", com a participação do pianista Oscar Castro-Neves.

Em 1962, Bill Evans e Shelly Manne lançam o álbum "Empathy". Em Fevereiro de 1963, Bill Evans edita o belíssimo e inovador álbum "Conversations with Myself", que lhe valeu um Grammy, e Stan Getz grava "Jazz Samba Encore", ainda que sem nenhuma das colaborações anteriores. Neste álbum, surgem ao piano e à guitarra Antonio Carlos Jobim e Luiz Bonfá. 

Um mês depois, Getz reúne-se no estúdio com Jobim, João Gilberto e a sua esposa Astrud Gilberto. O resultado deste encontro maravilhoso irromperá no mercado, no ano seguinte, com o título "Getz/Gilberto", uma combinação perfeita de soft samba, canções-poemas e uma pintura expressionista abstrata de Olga Albizu a ornar a capa. O álbum consegue o segundo lugar na tabela de “Billboard”, durante 96 semanas, isto porque os Beatles ocupariam o primeiro. Em 1965, “Getz/Gilberto” ganha o Grammy para melhor álbum do ano, tornando-se o primeiro álbum de jazz a conquistar esse prémio, arrecadando mais dois Grammys.

Jobim colaborou, ainda, com Claus Ogerman em "The Composer of Desafinado, Plays". Getz grava mais dois álbuns: o primeiro, intitulado "Getz Au Go Go", no Greenwich Village; o segundo, "Getz/Gilberto #2", concerto com João Gilberto no Carnegie Hall, em Outubro de 1964.

Ainda em 1963, Jimmy Smith, artista que pertencera ao catálogo diamantino da Blue Note, assina contrato a longo-termo com a Verve, saindo a lume "Hobo Flats", com uma colaboração entre Smith e Oliver Nelson. Em Março de 1965, “The Girl from Ipanema” ganha um Grammy, como single do ano. Em 1966, o recorde de vendas da Verve atingiu patamares exultantes, com dezasseis álbuns vendendo mais de 100.000 cópias.

Um outro artista, que contribuiu para o plano audacioso de Taylor, foi Wes Montgomery, que assinou contrato com a Verve perto do final de 1964. No verão de 1967, o álbum "Jimmy & Wes – The Dynamic Duo" fica em primeiro lugar na tabela de vendas; "California Dreaming" de Wes Montgomery, em segundo lugar, ex aequo com Blue Notes de Johnny Hodges, e os álbuns "Bill Evans at Town Hall Volume 1" e "Sweet Rain" de Stan Getz ficam no top 20 das vendas.

Tal como antes dele fizera Granz, também Taylor deixa a Verve no acme do seu sucesso editorial. A partir de 1966, a Verve começa a assinar contratos com artistas pop & soul, entre os quais Susan Rafey, The Tymes, Wilson Pickett e The Chantels, começando a auscultar possibilidades no mercado emergente do rock. Inicia-se uma nova era para a Verve.

Ainda nesse ano, o catálogo da Verve inclui Frank Zappa & The Mothers of Invention, com a saída do álbum de estreia em Junho, "Freak Out!", e, em Abril de 1966, iniciam-se as gravações de "The Velvet Underground & Nico", sob a supervisão artístico-empresarial de Andy Warhol, que sai em Março de 1967. Neste ano, sai a lume o álbum "Absolutely Free" de The Mothers of Invention.

A viragem para os mercados do rock, folk, soul e pop enfraquece a identidade desta equação com verve, que viu sair do seu catálogo, ainda em 1966, a deusa que houvera inspirado a sua criação. O catálogo ainda apresentava edições de jazz interessantes, mas cada vez mais parcas. No final da década de sessenta, com a saída de Taylor, a Verve perde a linfa que a nutrira durante quase duas décadas. 

Nos anos 70 e início dos anos 80, as divisões europeia e japonesa da Phonogram (novo nome da PolyGram ao adquirir a Mercury Records e ao comprar, em 1972, a MGM e, com ela, a Verve) apostam na reedição de alguns dos álbuns mais importantes do catálogo da Verve, reavivando a divisão americana da Verve, com a presença do produtor Richard Seidel. Este produtor aposta não só nas reedições dos artistas da Mercury Records, com belíssimos e inovadores pacotes (cf. a reedição de “Charlie Parker with Strings”), como também no catálogo Philips jazz, que incluía alguns dos mais impressionantes álbuns de Nina Simone. 

Este gesto editorial permite reacender o espírito da editora, ao apresentar as figuras cimeiras do jazz a uma nova geração de auditores, nos finais dos anos 80, e possibilita também quer a contratação de novos artistas (e.g.: Nicholas Payton, Chris Potter, Christian McBride, Kurt Rosenwinkel e Diana Krall) quer a renovação das carreiras de alguns artistas, como Shirley Horn, Joe Henderson e Kenny Barron. 

Nos anos 90, Seidel apresenta uma variação maravilhosa da equação com verve: concebe um pack do material da Verve, intitulando-o “Ultimate”. Este movimento estratégico genial, além de incluir o riquíssimo catálogo das editoras Verve, Mercury e EmArcy, assenta na escolha de um artista por um outro, seu curador, deste modo: Joe Williams escolhe músicas de Ella Fitzgerald, Shirley Horn de Billie Holiday e, mais recentemente, Chick Corea colige Bud Powell, Wayne Shorter reúne músicas de Lester Young, Wes Montgomery é curado por George Benson e, talvez a escolha mais pungente, Oscar Peterson coligido por Ray Brown, seu antigo baixista. Note-se que, de 1994 a 2011, Tommy LiPuma trabalha também como produtor da Verve, tornando-se presidente emérito da editora de 2004 a 2011. 

Em 1997, a Verve edita "The Complete Bill Evans On Verve" e, no ano seguinte, volta a entrar na tabela de “Billboard” com os álbuns "Gershwin’s World" de Herbie Hancock e “Pleasures Of The Night” de Gerald Albright. Em 1998, Richard Seidel produz mais uma série impressiva de dez CDs: "The Complete Jazz at The Philharmonic on Verve 1944-1949". 

Em 2010, David Foster, que cresceu a ouvir Oscar Peterson, Bill Evans, Stan Getz e tantos outros artistas do catálogo da Verve, assume as funções de produtor do Verve Music Group, nestes termos: «My role here is to make hit records, but I also have this deep, deep connection to the label from my formative years.» (Havers, 2013: 373)

Atualmente, a Verve Label Group apresenta um catálogo eclético, englobando jazz e outros géneros musicais inovadores, composto por artistas como Cynthia Erivo, Harry Connick Jr., Jon Batiste, Arooj Aftab, Julius Rodriguez, Kurt Vile e Melanie Charles.

Esta extraordinária equação com verve não deixa de ecoar, ainda hoje, o espírito do seu fundador ao subscrever, por um lado, a saliência individual do artista e ao conceder, por outro, a máxima potência à direção única da colaboração: 1+1 elevado a Pi=1.

 

* Cf.: Havers, Richard (2013). Verve. The Sound of America. London: Thames & Hudson Ltd.

** “Works Project Administration”: iniciativa que, durante a Grande Depressão e no âmbito do New Deal, facilitava trabalho a artistas, escritores, entre outros.

*** Dezassete na sua totalidade, gravadas e editadas (cf. catálogos de Ash Records, Clef, Mercury Records e Verve Records), as JATP iniciaram-se em 1944, mais especificamente, a 2 e 30 de Julho e a 13 de Novembro e 18 de Dezembro, no Philharmonic Auditorium, em Los Angeles. Em 1945, o calendário foi mais vasto (12 Fev.; 5 Mar.; 9 Abr.; 16, 17 e 23 Abr. e 28 de Jul.), incluindo dois espaços novos (Curran Theatre, San Francisco e Russ Auditorium, San Diego). A primeira tour nacional iniciou-se a 26 de Novembro de 1945 e terminou a 28 de Janeiro de 1946; a segunda, iniciou-se a 22 de Abril e terminou a 22 de Junho de 1946; a terceira, cumpre o arco temporal de 6 de Outubro a 23 de Novembro de 1946; a quarta, de 6 de Fevereiro a 24 de Maio de 1947; a quinta, de 15 de Setembro a 14 Outubro de 1947; a sexta, de 18 de Abril a 24 de Maio de 1948; a sétima, de 6 de Novembro a 4 de Dezembro de 1948; a oitava, de 11 de Fevereiro a 30 de Março de 1949; a nona, de 16 de Setembro a 19 de Novembro de 1949; a décima, no Outono de 1950 e, assim anual e sucessivamente, até à décima sétima, no Outono de 1957, com abertura no Carnegie Hall, em Nova Iorque, e desfecho no Shrine Auditorium, em Los Angeles. Esta última JATP contou com as presenças de Ella Fitzgerald, Oscar Peterson, Herb Ellis, Ray Brown, Roy Eldridge, Lester Young, Stan Getz, Coleman Hawkins, Connie Kay, J. J. Johnson, Illinois Jacquet, Flip Phillips, Jo Jones, John Lewis, Percy Heath, Milt Jackson. Na Primavera de 1952, inicia-se a primeira tour internacional, com regularidade anual até 1960, perfazendo nove tours europeias. No Inverno de 1953, a JATP FAR EAST acontece no Japão, mais especificamente, em Tóquio e Osaka. Na Primavera de 1960, surge calendarizado o evento Miles Davis and the JATP All Stars, contando com as presenças de Miles Davis, Wynton Kelly, Paul Chambers, Jimmy Cobb, John Coltrane, Stan Getz, Oscar Peterson, entre tantos outros. Para mais detalhes sobre a exímia programação de cada JATP, vide Havers, 2013, pp. 81-130.

**** A título exemplar, lembro a demissão de Granz do comité de júris, em 1947, a propósito da publicação na revista Esquire de fotografias da Eddie Condon Band, ao invés da publicação dos vencedores, maioritariamente afro-americanos. O produtor acusa a Esquire de fazer parte do establishment do jazz, aspeto que se encontrava nos antípodas do espírito das JATP e do seu ideador. No entanto, o ambiente segregacionista manifestava-se nos mais pequenos gestos do quotidiano, por exemplo, alguns membros afro-americanos das JATP viram recusada a possibilidade de ouvir, nas lojas de música, as suas próprias gravações e, em Dayton, Ohio, os membros afro-americanos das JATP foram excluídos de uma sessão de autógrafos (cf. Havers, 2013: 67). O espírito revolucionário de Granz não perde intensidade e, em 1996, escreve o seguinte fax ao Presidente Clinton: «‘For someone who professes to love jazz as much as you do, it’s sad that you didn’t name a jazz musician to your Arts Award; especially when Benny Carter the last of the giants of jazz who, at 88 years of age is still actively playing beautifully... All this talk of jazz being the only truly uniquely American art form apparently has gone right by you. Pity.’» (Ibid.: 73) O produtor não recebeu nenhuma réplica, mas Benny Carter foi condecorado com essa medalha em 2000.

***** Estas personalidades extraordinárias não deixam de ostentar um lado curioso, senão leia-se a nota da jornalista Virginia Wicks sobre Granz: «He had a little book in which he wrote down the names of people he worked with who irritated him – musicians, promoters, agents... Anyone.» (Havers, 2013: 73) Esta mesma referência pode ser encontrada em "Out Of The Norm, The Life Of Norman Granz" (BBC Radio 2), parte VI.

Agenda

23 Setembro

Quarteto de Desidério Lázaro

Jardim Botânico - Lisboa

23 Setembro

Oblíquo Trio

Jardim Luís Ferreira - Lisboa

23 Setembro

Bernardo Tinoco / João Carreiro / António Carvalho “Mesmer”

Jardim da Estrela - Lisboa

23 Setembro

Ana Luísa Marques “Conta”

Porta-Jazz - Porto

23 Setembro

Igor C. Silva, João M. Braga Simões e José Soares

Arquipelago – Centro de Artes Contemporâneas - Ribeira Grande

23 Setembro

Rodrigo Santos / Pedro Lopes

Jardim Luís Ferreira - Lisboa

23 Setembro

Al-Jiçç

Centro Cultural da Malaposta - Odivelas

23 Setembro

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Teatro Municipal Joaquim Benite - Almada

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