Ao Mesmo Tempo
Mariana Lemos improvisa com música e dança
A bailarina, criadora e produtora cultural Mariana Lemos encontra-se a promover o projeto Ao Mesmo Tempo, sessões de improvisação de música e dança. Estas performances originais têm tido lugar no c.e.m – centro em movimento, em Lisboa. Depois de ter realizado no ano passado uma primeira temporada de sessões, em duo, que contaram com convidados como José Lencastre, Mariana Camacho e Rodrigo Brandão, vem agora uma segunda temporada. Esta nova temporada arranca no próximo dia 17, sexta-feira, com um duo inédito de Mariana Lemos com a violinista Maria da Rocha. Estivemos à conversa com a bailarina e coreógrafa, que nos fala sobre este seu projeto e sobre a nova temporada.
Como nasceu a ideia deste projeto Ao Mesmo Tempo?
Ao Mesmo Tempo é o meu projeto de investigação artística de portas abertas, que teve início ainda em 2020 em plena pandemia. Na altura eu estava a começar a trabalhar em produção e criação com alguns músicos, como o baterista João Valinho e o artista de spoken word Rodrigo Brandão, na criação da afárá (uma produtora ligada às artes performativas) e neste caminho fui me aproximando de muitos artistas e conhecendo um pouco mais deste universo da experimentação e da improvisação musical. Como bailarina, sempre me interessei pela criação no momento, pela prática de atravessar o desconhecido trazendo toda uma bagagem de vida e de escuta para fazer acontecer a performance. Fiquei curiosa com o modus operandi quando adentrei mais no mundo da improvisação livre… sinto-me muito mais livre e mais perto do jeito de um músico improvisar do que de um bailarino (meu sonho era ser mais uma instrumentista da banda, sendo que o meu instrumento é a dança). Vou criando muito pelo som, pela escuta, pelas estruturas de criação coletiva do momento do que pelo interesse de compor um gesto de dança! Sentir o que pode soar quando estamos juntos “ao mesmo tempo”, mas não necessariamente no mesmo lugar… Neste sentido tive vontade de trazer assim, de maneira crua diante do público, o próprio labor da pesquisa da improvisação entre som e movimento. Considero isso uma espécie de residência de portas abertas sempre… ou seja, ao longo de uma temporada, eu convido uma série de improvisadores para arriscar um dueto sem muita preparação… gosto muito dos encontros a queima roupa, de cada diferença/especificidade, este ano vão haver também outros formatos, trios, sextetos, etc.
Estas sessões têm sido promovidas sobretudo com músicos/as ligados/as à improvisação. Como tem sido a tua ligação com a música improvisada?
Nasce mesmo de um interesse pessoal pela linguagem. Como também sou produtora e gosto muito de escrever e fazer acontecer projetos e criações, fui aos poucos percebendo que havia todo um caminho por explorar aqui em Portugal neste sentido. Nos últimos anos fiz um mergulho neste mundo e comecei a colaborar com algumas pessoas: o Luís Vicente (trompetista) é um grande parceiro, acabámos de lançar um disco pela Clean Feed, “House in the Valley”, e tenho muito carinho pelo projeto. Neste caminho de criar a afárá, junto da Lysandra Domingues (produtora) trabalhamos muito com o Rodrigo Brandão e tivemos a oportunidade de fazer acontecer, por exemplo, o “LX Livre” em dezembro de 2021, uma instalação para gravar um disco ao vivo (que vai sair ainda este ano) que contou com mais de 15 improvisadores de Portugal e Brasil, uma experiência incrível que juntou por exemplo o Rodrigo Amado, Hernâni Faustino, o Pedro Melo Alves, para citar apenas os músicos que admiro e que ainda não performaram comigo em dueto… esta relação com o Brandão acontece através do Thiago França, saxofonista e agente cultural brasileiro com quem talvez eu tenha a relação mais antiga na improvisação, aliás, fizemos um dueto na Penha sco em 2019. Portanto, além de gostar muito do modo como a música se dá pela improvisação, ao ponto de me aproximar em termos artísticos no meu próprio corpo de performer, também vou criando e produzindo, gosto muito de arriscar e inventar formatos, acho que é da própria natureza do improviso criar assim desta forma.
Podes falar um pouco sobre as sessões anteriores? Quais os momentos mais marcantes e memoráveis que guardas desses encontros anteriores?
Em pouco tempo já foram muitos, para a minha sorte! O primeiro dueto foi com Thiago França como citei em 2019 e voltamos a atuar em dezembro de 2021 também em Lisboa. Pude trabalhar com a Carla Santana (eletrónicas) e gosto muito da subtileza da sua exploração. O Yedo Gibson (saxofone) e o Felipe Zenícola (baixo elétrico), por exemplo, são dois músicos e amigos que fazem parte da minha escuta constante e são referências de pesquisa e criação para mim. O João Valinho (bateria) e a Raquel Reis (violoncelo) são parcerias mais recorrentes com quem venho aprofundando o trabalho. Com a Raquel temos o INCLINAR, que já tem sido performado pelo país. O João talvez seja o parceiro musical que mais me acompanha e com quem a troca é mais profunda e constante. O Zé Lencastre esteve no ano passado e foi super especial também o encontro com ele e o seu som tão limpo e claro! Adorei a sessão com a Mariana Camacho na voz e nos sintetizadores, foi a primeira vez que trabalhei com voz e palavra e foi dos mais tocantes para mim. Aliás, tenho estado a caminhar na direção das mulheres que fazem parte deste universo artístico, fico um pouco perplexa quando oiço ou leio que não existem muitas mulheres a improvisar e a experimentar na música em Portugal… mas isso é uma outra conversa que muito me interessa! Assim posso falar das novas parcerias… A primeira vez que vi e ouvi a Luísa Gonçalves (pianista), foi num daqueles ensembles do Ernesto Rodrigues lá no O’Culto da Ajuda. Fiquei logo agarrada a presença dela e do som que ela tirava do piano em meio a tantos outros instrumentistas… convidei a Luísa para estarmos juntas e posso dizer que vem aí algo muito bonito… Estes duetos tem sido uma experiência de construção de corpo bastante consistente, lado a lado com artistas que se dedicam à criação apurada do encontro através do som com muito critério. Ter a companhia do público neste momento, é algo muito rico para mim. Tendo pensado muito no caminho desta experimentação como uma oportunidade de exercitar de forma simples, generosa e corajosa a criação, eu acredito muito neste caminho e vou continuar a investir, convidar e partilhar!
Esta segunda temporada vai abrir com uma sessão com a Maria da Rocha (violino). Sei que já trabalhaste anteriormente com ela. O que poderemos esperar deste encontro?
Com a Maria… estivemos juntas com a Raquel Reis e o João Valinho, lá está… num encontro muito especial mesmo… eu diria inesquecível! Acredito muito na força dos afetos e na tessitura dum trabalho que vem por aí. Através da minha amizade com o João e com a sua família, fizemos acontecer uma performance na casa da Pauline Stuttaford, uma mulher incrível, sobrevivente do Holocausto que vivia em Portugal desde os anos 80. Neste dia, tudo aconteceu com um filme… um cenário muito particular, na sua quinta, com um monte de lenha empilhada que trouxe lembranças não muito boas, porém tão radicais que fizeram com que no fim da improvisação, ela nos dissesse que tinha sido dos poucos momento da vida em que se tinha esquecido do horror que viveu. Pura poesia revolucionária senti eu… Deve ter durado cerca de quarenta minutos e não temos muitos registros deste dia, mas certamente ficou gravado nas nossas células e vai compondo o corpo que dançará com a Maria nesta próxima sexta-feira dia 17, no c.e.m – centro em movimento, a minha casa artística e criação. A intuição que tenho com a Maria é do reino da psicodélia… algo novo para mim também, ela propôs surfarmos a improv a partir de quatro estados/atmosferas: ar, terra, água e fogo… estou muito curiosa onde isso nos vai levar… prevemos cerca de 20/30 minutos de acontecimento e desejo mesmo que a partilha seja potente!
Podes revelar a agenda dos próximos eventos?
Como disse, este ano vou experimentar novos formatos também e outros espaços/estruturas vão acolher o projeto. Dia 23 de abril, na Karnart, vai ser um grupo grande. Na verdade. esta sessão de abril eu queria que fosse um statement... queria dar à luz a uma “orquestra” de improvisadores só com mulheres… onde eu faria parte dançando, mas por várias razões o João Valinho e o Felipe Zenícola, por exemplo não poderiam não estar! Neste Ao Mesmo Tempo de abril também estão confirmadas a Raquel Reis e a Carla Santana. Em maio, no c.e.m, vem o Mané Fernandes, com a sua guitarra cheia de Groove, e em junho vem o Luís Vicente, meu parceiro de longa data, finalmente vamos dançar juntos! No segundo semestre haverá mais, vou revelando aos poucos… quero ver quem mais se aproxima e o que vai fazendo sentido convidar a acontecer.