Música e política, 1 de Março de 2023

Música e política

Ruído & Fascismo

texto: Vítor Rua / ilustração: Gonçalo Falcão

Em novo texto para a jazz.pt, o músico e musicólogo Vítor Rua apresenta-nos uma reflexão sobre as ligações entre música e política, particularizando no caso do Futurismo Italiano.

Conta-se que o Imperador Chinês Shun (séculos XXIII a.C. - XXII a.C.), de forma a controlar o seu reino e verificar que tudo estava em ordem, todos os segundos meses de cada ano, fazia uma viagem pelo seu reinado. No entanto, não o fazia observando os livros da economia das suas províncias, nem tão pouco vendo a forma de viver das suas populações. Também não interrogava os seus oficiais, nem queria saber o que pensavam os seus súbditos. Acreditava num método mais exacto e revelador para se inteirar do estado do seu reino. De acordo com os textos Shujing, uma compilação de discursos de figuras importantes e registos de eventos na China antiga, o Imperador ia através dos seus vastos territórios a testar e ouvir os tons das notas musicais. Regressado ao seu palácio e querendo monitorizar a eficiência da sua governação, não pedia conselhos aos políticos, nem revia a economia ou queria saber do estado da opinião popular (embora por vezes recorresse a esses métodos), antes queria, acima disto tudo, ouvir e testar as cinco notas da antiga escala musical chinesa. Ele pedia a oito músicos que tocavam os oito tipos diferentes de instrumentos chineses e escutava-os interpretando canções populares e de corte; observava se a música estava em perfeita correspondência com as cinco notas.

 

#01 Controlar um Reino através da Música

Se o Imperador Shun, nas suas viagens através do seu reino, descobrisse que os instrumentos dos diferentes territórios, estavam com diferentes afinações, receava que, os próprios territórios pudessem começar a também divergir entre si, perder a sua unidade e poderem mesmo entrar em conflitos - a menos que a afinação fosse imediatamente corrigida e tornada novamente uniforme em todos os lugares. Ou se a música que ele ouvisse nos diferentes locais lhe parecesse vulgar e imoral, então ele poderia esperar que a imoralidade varresse a nação, a menos que algo fosse feito no sentido de corrigir essa mesma música. Tal era a importância que dava ao som e à música.

 

#02 Toda inovação musical é prenhe de perigos!

A definição de “definição” tal como nos surge no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Verbo 2002, é a de “ação de enunciar, de caracterizar os atributos essenciais de um ser ou uma coisa.” Ora essa ação de enunciar pode não ser definitiva, ou seja, pode não reunir as condições necessárias para que não a venhamos a alterar ou até a anulemos. As definições não são imutáveis.

A inexistência de uma definição única em relação a um mesmo termo, mas sim uma multiplicidade de definições que abordam de diferentes formas o mesmo assunto, leva-nos a supor que umas em relação a outras, podem ser melhores, mais complexas, mais extensas, mais incompletas, mais poéticas, mais cientificas; há definições que vão variando conforme as épocas ou as diferentes culturas de diferentes civilizações.

Como definir então “música”? E como caracterizar os atributos essenciais de “política”?

Estes dois termos, surgem na nossa sociedade ocidental, na Antiga Grécia (musiké e politiké). Mas sempre houve música e política "avant le mot". Tanto a música como a política não são exclusivos da sociedade ocidental e há, portanto, tantas histórias da música e da política quanto há culturas e espaços no mundo e todas as suas vertentes têm desdobramentos e subdivisões. Para Aristóteles “O homem é um animal político”, logo desde que o ser humano existe, que existirá política. Já a existência de música remonta à pré-história (para muitos musicólogos o canto terá mesmo precedido a fala) e podemos observar isso: a arte rupestre encontrada nas cavernas dá uma vaga ideia desse desenvolvimento ao apresentar figuras que parecem cantar, dançar ou tocar instrumentos.

Fragmentos do que parecem ser instrumentos musicais oferecem novas pistas para completar esse cenário. Considerada uma prática cultural e humana, actualmente não se conhece nenhuma civilização ou agrupamento que não possua manifestações musicais próprias. Embora nem sempre seja feita com esse objectivo, a música pode ser considerada como uma forma de arte, considerada por muitos como sua principal função.

Se em relação à definição de “política” eu não encontrei – talvez por não ser um entendido em política – qualquer problema em aceitar o que me propunham os diferentes dicionários: “A palavra política denomina arte ou ciência da organização, direcção e administração de nações ou Estados”. A palavra tem origem nos tempos em que os gregos estavam organizados em cidades-estado chamadas "polis", nome do qual se derivaram palavras como "politiké" (política em geral) e "politikós" (dos cidadãos, pertencente aos cidadãos), que se estenderam ao latim "politicus" e chegaram às línguas europeias modernas através do francês "politique" que, em 1265, já era definida nesse idioma como "ciência do governo dos Estados". 

Já definir música não é algo fácil de concretizar pois apesar de ser intuitivamente apercebida por qualquer humano, é-nos impossível encontrar um conceito que contenha todos os significados dessa praxis. A música contém e manipula o som e organiza-o no tempo. Talvez seja esse o motivo que leva a música a estar sempre fugindo a qualquer definição, pois ao faze-lo, a música já se alterou, já evoluiu. E esse jogo do tempo é simultaneamente físico e emocional, real e virtual.

Ao longo da sua história a Música esteve ligada a diversos actos como, rituais sagrados; foi usada como suporte pelas classes dominantes: “Ainda quando ao serviço de tal ou tal corte ou senhor feudal, satisfazendo encomendas mais ou menos padronizadas para cerimónias ou funções específicas (no teatro, na igreja ou no quotidiano senhoriais) e submetendo-se, aí estritamente aos ditames da esfera pública representativa personificada na vontade do príncipe, os compositores começam a sentir as novas solicitações que lhes chegam da esfera pública burguesa, expressas através da intensa interacção sócio-comunicativa que se estabelece por via da massa de música impressa, livros, recensões, crónicas e eventos musicais”.

“Música” é, para o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, a “Arte de conjugar os sons” e até aqui está em concordância com a definição anterior. Mas depois continua dizendo que esta “conjugação” deve ser feita de “forma melodiosa” e aqui já deixa de “fora” uma enorme quantidade de música que, ou nem sequer tem “melodia” sendo unicamente rítmica e realizada em instrumentos sem altura definida, como toda uma série de tipologias musicais como a música electrónica, concreta ou acusmática (para citar só algumas), em que por vezes, é totalmente ignorado o aspecto “melódico” de determinada composição. E, o enunciado continua dizendo-nos que esta “conjugação de sons” deve estar de “acordo com determinadas regras”, o que também é redutor, pois existem estilos musicais e obras que são totalmente alheias a quaisquer regras, como o caso da música intuitiva, da música improvisada e de certa música aleatória.

Para terminar referir o facto de que este enunciado ainda nos diz que a música é capaz de “exprimir ou despertar emoções”, o que estou totalmente de acordo, e que é capaz de “evocar certas realidades” e aqui penso que faltaria acrescentar “e certas abstracções”, o que é, para mim, um atributo bem mais importante da Música.

No Dicionário Online de Português, encontramos a seguinte definição de “música”: “Arte de combinar sons”. Pode-se pensar que esta definição ganharia com a inclusão de “e silêncios”, mas se considerarmos que o silêncio é um som, então dispensa-se bem esse pleonasmo e aceitamos a definição como sintetizada e correcta, ainda que incompleta (a leitura em voz alta do Alcorão é uma arte de combinar os sons com outros tipos de sons que são os silêncios e não é música, por exemplo).

Questionado sobre o que é a música, John Tilbury diz-nos que "Música é feita pelo e para o homem, usando os sons que precisam e deixando o resto de fora". Para Chris Cutler "Música é uma linguagem interpessoal que produz um efeito abstracto". Já para Eddie Prevóst “Música é a produção humana de sons que estão além da atividade prática de sobrevivência, ou seja, encontrar comida e abrigo. A música transformou-se num instrumento da cultura que serve para ajudar a humanidade a explicar o mundo a si mesma. “

A origem da música está nos sons percebidos, copiados e abstraídos do universo observável. Provavelmente desenvolveu-se como ajuda para rituais e religiões; assim, não deveria ser surpresa que uma sociedade industrial moderna, comece a adaptar os sons da indústria e usá-los para explicar, revelar e talvez até celebrar (ou expressar lamento!) as novas formas e experiências de vida que emergem na cultura industrial”.

Pode-se constatar que a música consiste numa combinação de sons e de silêncios, numa sequência simultânea ou em sequências sucessivas e simultâneas que se desenvolvem ao longo do tempo. Assim, a música, contém toda uma mescla de elementos sonoros destinados a serem percebidos pela audição. Incluiremos aqui variações nas características do som (altura, duração, intensidade e timbre) que podem surgir sequencialmente (ritmo e melodia) ou simultaneamente (harmonia). Ritmo, melodia e harmonia são interpretados aqui tendo em conta a sua forma de organização temporal, pois na música dos nossos dias, pode conter intencionalmente melodias ou harmonias ruidosas (ruídos ou sons não-convencionais) e arritmias (ausência de ritmo formal ou desvios rítmicos). E é aqui que podem surgir controvérsias. As questões que surgem desta simples observação resultam em diferentes respostas, quando encaradas do ponto de vista do criador, do executante, do historiador, do filósofo, do antropólogo, do linguista, do poeta, do musicólogo ou simplesmente do amador. E as questões são muitas: “toda a combinação de sons e silêncios é música?”; “a música é sempre arte?” ou “a música existe antes de ser ouvida?” e “o que faz com que a música seja música é algum aspecto objectivo ou ela é uma construção da consciência e da percepção?”.

Tenho vindo nos últimos tempos a tentar desenvolver uma definição de música dentro de um estilo, intitulado de “pensamento filosófico analítico” e que actualmente se sintetiza na seguinte fórmula:

M=S (SAcu + Sele + Selec + Sdig + Saku + Scto + IS + US) ⊃Sorg (t ⋀⋁~t) 

⋀⋁ S~org (t ⋀⋁~t) ⋀⋁ SL org (t ⋀⋁~t) ⋀⋁ SL~org (t ⋀⋁~t) ⋀⋁ R org (t ⋀⋁~t) 

⋀⋁ R ~org (t ⋀⋁~t) ⇆ P ∈ SH ⋀⋁ Anh ∈ ⋀⋁ Nat ∈ Clt

o que significa: “música igual a som que contém vários sons como o som acústico, o som eléctrico, o som electrónico, o som digital, o som acusmático, o som concreto, o infra-som, o ultra-som, sendo que estes sons contêm som organizado (tónico e/ou não-tónico) e/ou som não organizado (tónico e/ou não-tónico), silêncio organizado (tónico  e/ou não-tónico) e/ou silêncio não-organizado (tónico e/ou não-tónico) e/ou ruído organizado (tónico  e/ou não-tónico) e/ou ruído não-organizado (tónico e/ou não-tónico),  sendo que silêncio e ruído dependem da perspectiva e todo este som é produzido pelo ser humano e/ou animais não-humanos e/ou Natureza em determinada e específica cultura”.

Se tanto a política como a música parecem remontar ao surgimento da Humanidade, também é de supor que uma relação entre estas duas actividades também tenha surgido desde logo. Exemplo disso mesmo é a história inicial deste artigo, do Imperador Shun e da sua forma de governar através do mundo dos sons e da música. Na nossa sociedade ocidental, essa relação dá-se desde a concepção dos próprios termos na Antiga Grécia. Assim, “o animal político” de Aristóteles e “o animal musical” desde sempre interagiram e criaram apertados laços de relacionamento: para o bem e para o mal. Aristóteles prevenia que "pelo ritmo e pela melodia nasce uma grande variedade de sentimentos" e que "a música pode ajudar na formação do carácter" e que "se pode distinguir os géneros musicais pela sua repercussão sobre o carácter”. Um estilo musical, por exemplo, pode levar à melancolia, outros sugerem o desânimo ou domínio de si mesmo, o entusiasmo, alegria ou alguma outra disposição já mencionada. Platão é ainda mais conciso. Num dos diálogos da “República”, avisa que a música forma ou deforma os carácteres de modo tanto ou mais profundo e perigoso quanto inadvertido. Grande parte das pessoas não compreende que a música tem o poder de alterar o coração dos seres humanos, e que assim, molda a sua mentalidade. Mudando as mentalidades, a música acaba por modificar os costumes, o que faz com que se mudem as leis e as próprias instituições. Por isto dizia Platão que é possível conquistar ou revolucionar uma cidade pela alteração de sua música: "Toda inovação musical é prenhe de perigos para a cidade inteira"... "Não se pode alterar os modos musicais sem alterar, ao mesmo tempo, as leis fundamentais do Estado”. Segundo Platão, a educação musical é a coisa mais poderosa, porque incute na alma da criança, desde a infância, o amor à beleza e à virtude. 

Uma pessoa com uma culta educação musical, teria mais facilidade em entender a beleza e a harmonia do mundo. A música seria assim criadora de estados de “alma”, os quais faziam nascer ideias correlatas em nossas mentes. 

 

#03 Y entonces comprendió…

Perante tanta diversidade de escolha, no que diz respeito a este tema tão vasto que é “música & política”, a dificuldade podia recair no que escolher como matéria deste artigo. Ao longo dos tempos, vimos de que forma a música se relacionou no Ocidente com as Cortes, Reis, Príncipes, Beethoven e Napoleão, as lutas políticas de Wagner, Messiaen preso num campo de concentração, tudo isto seriam temas interessantes para esta matéria.

Mas foi óbvio para mim desde o início de que preferia abordar os Futuristas italianos e Luigi Nono. Os Futuristas porque a nível musical tiveram ideias revolucionárias e premonitórias, e Nono porque representa - segundo Mário Vieira de Carvalho - “o exemplo máximo no século XX de um músico que incorpora a política dentro da música dele”. “Já” - diz Vieira de Carvalho - “Lopes Graça separa a política da sua música”. De que forma?

Fácil: uma coisa é a sua música “erudita” concebida para as salas de concerto e outra é a música que escreve baseada em músicas populares e que dedica a grupos corais amadores. Nesse sentido, parece-nos mais “verdadeira” e “revolucionária” a forma como  se estabelece uma relação entre a sua música e a política.

Foi Bruno Scherchen quem iniciou Luigi Nono no universo da música concreta em Paris nos anos de 1950 no estúdio de Pierre Schaeffer. Nono era membro do partido comunista desde 1952. Disse: "Cada músico escolhe no mundo contemporâneo sua própria posição e toda escolha é política porque tem uma repercussão no contexto da sociedade actual...".

Segundo Michelle Agnes, “A forma de usar a Electrónica na sua música, era para Nono uma forma de se apropriar de uma tecnologia da classe dominante, para a concretização de um projecto revolucionário. Em "Y entonces comprendió" (1969-70), podemos ouvir na banda magnética a voz de Fidel Castro lendo a última carta que Che Guevara lhe enviara. Os sons registados são simultaneamente materiais musicais e documentos históricos”.

A obra "La fabbrica illuminatta” (1964) para soprano e banda magnética em 4 pistas, é uma peça paradigmática do segundo período criativo de Nono. Esta composição foi dedicada aos operários da fábrica “Italsider” de Gênova-Cornigliano.

A paisagem sonora que forma a banda magnética, são os ruídos da maquinaria da própria fábrica. O texto reúne diálogos dos operários da fábrica, contratos sindicais e excertos de poemas de Cesare Pavese, reelaborados pelo dramaturgo Giuliano Scabia.

Diz-nos Michelle Agnes: “Podemos descobrir a ideologia de Nono através do seu discurso musical, não só pelo elemento extramusical (os textos cantados), mas também pelo elemento intra-musical (paisagens sonoras elaborados em estúdio)”. Por outro lado, sua construção não é simplificada com fins pedagógicos, como na arte oficial de propaganda socialista. Pelo contrário, dado o seu complexo nível de elaboração, afasta-se da estética do realismo socialista e de um teor naturalista, de simples descrição da realidade: "éramos anti-realistas, mas procurávamos a realidade", afirma Scabia.

Os modelos apresentados pelo compositor são a poesia de Maiakóvski e o teatro de Meyerhold, artistas russos engajados, mas afastados de modo claro da estética oficial do comunismo.

Às perguntas de Sartre: "o que é escrever?", "porque escrevemos?", "para quem se escreve?", Nono começa por responder à terceira indagação de Sartre organizando audições e debates, juntamente com o musicólogo Luigi Pestalozza, em fábricas e escolas. O ponto de contacto entre “La fabbrica illuminatta” e seus ouvintes operários seria, justamente, a técnica. O compositor conclui que, “pelo contacto com avançados meios de produção, os trabalhadores da indústria pertencem à vanguarda tecnológica”. Outras questões ajudariam ainda, segundo o compositor, a fruição da obra pela classe operária, como o facto de “os trabalhadores não questionarem o potencial musical dos ruídos, como o faria o público habitual das salas de concerto”. Relatos de operários mostram que a escuta da obra lhes trouxe “consciência do estado de alienação em que se encontram nas fábricas e da violência dos sons aos quais se encontram submetidos”.

Para Michelle Agnes, em “La fabbrica illuminatta” ouvimos uma espécie de teatro musical, com "personagens" reconhecíveis: a massa explorada e desesperada, uma voz individual que vislumbra serenamente no futuro a esperança e as vozes femininas. Acrescentar a tensão nascida do conflito entre o elemento mecânico e o humano”.Foi várias vezes executada em  fábricas e escolas, lugares desprovidos de palcos e cortinas, ou seja, de separação entre ouvinte e o intérprete. Havia uma intenção de atenuar a oposição entre ouvintes e executantes, quando Nono grava os sons dasiderúrgica, incluindo-os na sua obra e executando-a em fábricas.

Para Nono o ideal formal numa obra como esta realiza-se quando "a substância do texto se torna musical". O sentido da arte, para Nono, passa pela "tomada de consciência, luta, provocação e participação".

O movimento futurista constituído por um grupo de artistas dos quais se destacam: Boccioni, Carrá, Russolo e Severini, transferem para a criação artística, os ideais de Marinetti. Os futuristas representam através da arte o desenvolvimento tecnológico do início do século XX, desmistificando o conceito de beleza assim como o tipo de materiais utilizados na criação artística. 

Influenciados pelo filósofo francês Henri–Louis Bergson, a arte é para os futuristas uma representação dinâmica da realidade. A 20 de fevereiro de 1909 Marinetti publica na primeira página do jornal “Figaro” o seu manifesto futurista que teve repercussões decisivas no desenvolvimento da arte moderna do século XX. Continha uma exaltação agressiva de destruição de tudo aquilo que perpetuava as tradições passadas, como as bibliotecas, livrarias e museus, o manifesto de Marinetti confere à velocidade um “valor plástico”. 

Este movimento estaria mais tarde profundamente envolvido com o fascismo, o que desde essa data tem sido alvo de grande polémica. Podemos afirmar que na cultura do século XX o futurismo pode ser usado para mostrar a relação entre arte e o poder, estética e política, ou seja, o nascimento da estética moderna. Em 1910 Marinetti encontra-se com 3 pintores: Carrà, Boccioni e Russolo e nesse mesmo dia o futurismo deixa de ser um manifesto literário, para incluir a pintura (e mais tarde outras artes como a escultura, a arquitectura, o cinema, a fotografia, a música; e manifestos sobre política, moda, sexo, direitos da mulher, etc.). 

É nesta altura também que Marinetti inicia uma série de Serata (espécie de “Happenings") com performances de diversos tipos: leitura de poemas, música, teatro, dança, cinema, fotografia), antecipando e a performance arte. Em 1911 Marinetti compila uma série de textos e manifestos futuristas e edita-os numa obra intitulada "O Futurismo" em língua francesa. Marinetti era suficientemente rico para ser o mecenas do movimento artístico e dos artistas em si mesmo. Em 1912 dá-se a primeira mostra de pintura futurista em Paris. Depois do sucesso dos pintores futuristas, Marinetti dedica-se de novo à literatura e publica o manifesto técnico da literatura futurista, que alguns críticos consideram uma marca na estética moderna.

Russolo que tinha trocado a pintura pela música pública the art of noises em 1913. Propõe a abolição dos sons tónicos e que a música devia abranger todo um mundo de novos sons. Acreditava que a vida contemporânea era demasiado ruidosa e que os ruídos deveriam ser utilizados para música. Russolo foi um percursor na Música: a frase “sons organizados” com que define Música, é geralmente atribuída ao compositor Edgar Varèse. É dele a frase “deliciamo-nos muito mais a combinar nos nossos pensamentos os de sons de comboios, de motores de automóveis ou de grandes multidões, do que voltarmos a ouvir a Eroica ou a Sinfonia Pastoral”, que 50 anos mais tarde seria proferida por Cage e que provavelmente, este teria lido, na tradução efectuada para francês em 1954. “Os esplendores do Mundo foram enriquecidos com uma nova beleza - a beleza da velocidade”, diz Russolo antecipando a “dromologia” de Paul Virilio. “Temos que quebrar o círculo apertado dos sons musicais puros e conquistar a infinita variedade dos sons ruidosos” antevendo o surgimento das músicas electrónica e concreta. Russolo viu a destruição do sistema harmónico como uma evolução e não como uma revolução.

Ele alertou da necessidade para uma metódica investigação das diferentes categorias de ruído, o que viria a acontecer com o “Tratado dos Objectos Sonoros” de Pierre Schaeffer.

Os timbres da orquestra sinfónica - para Russolo - ofereciam um limitado espectro sonoro e “estático” - no sentido de que os timbres dos instrumentos eram fixos (havia flexibilidade na altura do som mas não no timbre) - e, que eram necessários novos

instrumentos que permitissem ao compositor regular os harmónicos dos sons e controlar a “cor” da nota musical. Esses instrumentos aparecem em finais da década de 1950, com o surgimento dos primeiros sintetizadores. Russolo foi talvez o primeiro compositor a perceber que o ruído era somente uma forma de onda irregular - com componentes de frequências aperiódicas e que o “tom” e o “ruído” podiam ser unidos num continuum.

Em 1914 Antonio Sant´Elia publica o manifesto arquitectura futurista. Propunha que todas as gerações tivessem que reconstruir as suas cidades. Dizia que as nossas casas durariam menos que nós. A 15 de setembro de 1914 os futuristas assistindo a uma ópera de Puccini gritaram "Abaixo a Austria" e queimaram uma bandeira austríaca. Em meados de 1915 com o início da guerra, alguns futuristas morrem durante a guerra: Boccioni com 32 anos; Antonio Sant´Elia com 28 anos. Marinetti sofre ferimentos com a explosão de uma granada. O final da guerra é um ponto de viragem para o movimento futurista: Boccioni e Sant´Elia estavam mortos. Carrà e Severini abandonam o movimento. O mesmo para o crítico Soffici e o poeta Palazzeschi. Por outro lado Marinetti perdia o seu interesse nas artes e antecipando o final da guerra publica em fevereiro de 1918 o manifesto do partido futurista italiano. Em 1919 Marinetti visita Mussolini no seu jornal e diz que este não tem uma grande mente e não entende a necessidade da guerra.

O fascismo nasce formalmente em 23 de março de 1919. Marinetti estava presente e foi convidado a participar no comité central. Marinetti, Mussolini e Vecchi entre outros são presos. Mussolini é imediatamente libertado. mais tarde será Marinetti.

Este enquanto esteve preso escreve “Beyond comunism”. Em 1920 na segunda convenção do partido fascista, as ideias de Marinetti não foram muito bem recebidas e foram contestadas por Mussolini. Marinetti é de novo reeleito para o comité central mas 4 dias depois pede a demissão. Este acto marca o fim da sua participação activa na política.

Em Setembro de 1920 afastado da política, Marinetti descobre o "tactilismo" e vai em 1921 apresentar esse novo conceito a paris, onde é recebido com "o futurismo morreu" e de quê?... pelo DADA de Tristan Zara e Francis Picabia. Em 1923 publica o império italiano e dedica-o a Mussolini. Marinetti tinha abandonado a sua actividade política mas não a política. Em 1924 amigos que o visitavam diziam que o Marinetti agora prefere devotar as suas energias na sua mulher. Mas é precisamente em 1924 no seu manifesto futurismo e fascismo que refere as diferenças que os separam dos fascistas. 1925 e 1926: fascismo a governar; censura; criminosos políticos; Marinetti é considerado “antifascista". 1929, Mussolini tem a opinião que se deve “tratar bem os intelectuais” e de preferência "comprá-los". Nesta data Mussolini inaugura a Academia Royal Italiana e Marinetti é escolhido como membro inaugural (ele que sempre tinha sido contra as Academias e Instituições). Para Gobetti é Marinetti que abre o caminho a Mussolini e que foi Marinetti quem treinou a elite que viria mais tarde a ocupar cargos ministriais: Carli, Settimelli, Bottai, Bolzon. Entre 1932 e 1942 os futuristas tiveram sempre uma ou mais salas independentes de exibição nas bienais de Veneza. Marinetti pedia sempre mais. Outros acusavam de que os futuristas tinham sempre mais do que os outros. 

Em 1937 Hitler pronuncia-se contra a degeneração na arte e dá como exemplos negativos o cubismo o dadaismo e o futurismo. Em 1940 Marinetti fica doente e em 1944 resolve ir viver perto da Suíça. Em 1944 visita pela última vez Mussolini. Marinetti morre em 1944 e Mussolini em 1945.

 

#04 Finale 

Interessou-me esta abordagem pelo Futurismo, não tanto pela sua ligação maior ou menor com o movimento Fascista, (que podemos analisar através de cartas, manifestos, textos diversos), mas ver se esse facto (a da sua ligação com esse movimento) influenciou uma alegada tentativa de desvalorizar ou esconder do Mundo um dos movimentos artísticos mais importantes do início do século XX.

Ou se pelo contrário, os Futuristas afinal sempre tiveram grande projecção mediática e numa fase final até ajuda do Estado tiveram (tinham sempre uma sala de exibição ou mais nas Bienais de Veneza entre 1932-1942).

O que se passou então (e esta é a minha visão dos acontecimentos) é a de que ao contrário a outros movimentos artísticos (cubismo nas artes plásticas ou impressionismo na música), estes - os Futuristas - não tiveram artistas de calibre genial para meterem em prática as suas revolucionárias ideias, que talvez só mais tarde, com artistas sem qualquer conotação com o movimento, vieram a concretizar de facto, com obras de importância Histórica, as suas ideias. Ionisation de Varése; a música concreta de Pierre Schaeffer; a música electrónica; novos instrumentos musicais: os sintetizadores e os samplers; novos sistemas de notação (pictográfica, textual). 

Já em Nono - figura emblemática do músico político do século XX - interessou-me mais a forma como encarava a política dentro da música, ao contrário – por exemplo - de um Lopes Graça que dividia o seu trabalho composicional em para as Massas e para Concerto.

Agenda

29 Setembro

Bruno Pernadas (solo)

SMUP - Parede

29 Setembro

Elisa Rodrigues “Até ao Sol”

Planetário de Marinha - Lisboa

29 Setembro

Jam Session com Fernando Brox

Porta-Jazz - Porto

29 Setembro

Marcos Ariel & Alê Damasceno

Cascais Jazz Club - Cascais

29 Setembro

Mr Monaco

Nisa’s Lounge - Algés

29 Setembro

Orquestra de Jazz de Espinho com Melissa Aldana

Auditório de Espinho - Espinho

29 Setembro

Rui Fernandes Quinteto

Jardim do Mercado - São Luís – Odemira

29 Setembro

The Selva

gnration - Braga

29 Setembro

Mário Barreiros Quarteto

Jardim do Mercado - São Luís – Odemira

30 Setembro

Clara Lacerda “Residencial Porta-Jazz”

Porta-Jazz - Porto

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