Melhores do ano
Melhores de 2022: Discos Nacionais
Aqui estão as nossas seleções dos favoritos do ano. Estas listas resultam de uma votação coletiva e este ano participaram nas votações os críticos António Branco, Eray Aytimur, Gonçalo Falcão e Nuno Catarino e dois convidados: Inês Laginha (pianista, diretora artística da Casa Bernardo Sassetti) e Rui Tentúgal (jornalista, Expresso). Aqui está a lista dos melhores discos nacionais de 2022.
RICARDO TOSCANO TRIO: “Chasing Contradictions” (Clean Feed)
Ricardo Toscano está de volta. Mudou de formação; deixou o quarteto em pousio e o piano de lado. Desta vez, o saxofonista apresenta-se ao leme de um trio, com Romeu Tristão e João Lopes Pereira. Desde logo, no título do disco o saxofonista assume “procurar contradições”. E, sem a cama harmónica do piano, o grupo tem o desafio de tocar uma música com mais foco. Editado pela imparável Clean Feed, o novo disco inclui apenas cinco temas: dois são originais de Toscano (“Chasing Contradictions” e “Orange Blossom”), um é original de Lopes Pereira (“Totem”), há uma revisão de uma composição de Thelonious Monk (“Played Twice”) e fecha com um fado, “Súplica (Vagas Paixões)”. Diferente do disco de estreia, neste novo álbum o saxofonista vai explorando novas ideias, arrisca, procura outros mundos. “Chasing Contradictions” é um disco deslumbrante, mais um sólido passo em frente na carreira de um magnífico saxofonista.
(Nuno Catarino)
RODRIGO AMADO: “Refraction (Solo)” (Trost)
Este é o primeiro (e notável) registo a solo do saxofonista e improvisador Rodrigo Amado. Gravado ao vivo na Igreja do Espírito Santo, nas Caldas da Rainha, constitui uma viagem solitária e coletiva ao mesmo tempo, uma vénia aos mestres, um grito de liberdade. A sua forma de tocar e o seu som estão verdadeiramente fundados na história do jazz. Muito associado, por vezes em análises demasiado simplistas ou preconceituosas, à tradição do free jazz, uma imersão mais atenta na sua vasta produção permite concluir que muitas das suas raízes acham-se em etapas anteriores, sobretudo no hard-bop. Amado pega em deixas dos históricos (Coleman, Cherry, Rivers, Monk, Rollins, Ayler), processa-as e integra-as no seu discurso livre, mas ao mesmo tempo claramente norteado por essa constelação referencial. “Refraction Solo” é resultado de um labor oficinal de desmontagem de temas que fazem parte das suas raízes como músico e um marco no seu percurso, registo indispensável para melhor se compreender a relojoaria íntima de toda a sua obra, grito individual que se desobra numa miríade de ecos.
(António Branco)
HUGO CARVALHAIS: “Ascetica” (Clean Feed)
Hugo Carvalhais é um músico de discos. Discos no sentido originário da coisa: obras. Discos como livros ou exposições: uma ideia, uma lógica, declinada em várias músicas, encerrada num registo embalado. “Ascetica” é o quarto de uma série inicial de cinco: cinco assuntos importantes que quer tratar artisticamente, através da música. “Ascetica” é sobre a viagem interior. Todo o esforço de Carvalhais para escrever as músicas para este disco tem um objetivo: favorecer o aparecimento daqueles momentos únicos, irrepetíveis, que surgem da espontaneidade e da improvisação. Uma procura de beleza com a razão de ser do jazz: a indeterminação. Chamamos-lhes mágicos para facilitar, porque são inexplicáveis. É para eles que Carvalhais trabalha. Há-os em “Ascetica”.
(Gonçalo Falcão)
MÁRIO LAGINHA TRIO: “Jangada” (Edition Records)
“Jangada” voltou a juntar o pianista e compositor Mário Laginha ao contrabaixista Bernardo Moreira e ao baterista Alexandre Frazão, troika de sinal positivo que, três décadas depois, não para de surpreender. Estes músicos têm ainda, conjuntamente, tanto por dizer na exploração desse manancial virtualmente infinito que é o da tradição do jazz, aqui bem presente, e desta configuração instrumental. O trio continua a demonstrar uma empatia alquímica que, sendo a pedra angular do que escutamos, nunca se traduz num retomar de rotinas ou no requentar de fórmulas e procedimentos já consagrados. Bastam os primeiros minutos para percebermos que os três músicos trabalham com a mesma centelha os materiais sonoros fundamentais que reconhecemos na abordagem de Laginha. Estão por aqui as componentes essenciais que reconhecemos nas construções do pianista: o melodismo infalível, a enorme elegância harmónica, a efervescência rítmica, sempre uma renovada vitalidade e a apetência por arriscar dar um passo em frente.
(António Branco)
MANÉ FERNANDES: “ENTER THE sQUIGG” (Clean Feed)
“sQUIGG”, deriva de “squiggle”: rabisco. Uma música feita de rabiscos. Mané Fernandes faz música com vários materiais musicais, alguns deles pouco presentes no jazz. Radica em certas bases do hip-hop e da eletrónica traficados com liberdade e curiosidade, naturais num improvisador do jazz. Utiliza sem preconceitos os recursos criativos de produção eletrónica para construir uma linguagem que chamou de “pós-beat”. Um processo orgânico de assimilação e mistura que se revela transparente e valoriza a improvisação. “ENTER THE sQUIGG” é um grande disco de uma música que está à procura, que tenta abrir novas portas e que perspetiva um futuro muito interessante para o guitarrista Mané Fernandes.
(Gonçalo Falcão)
MAZAM: “Pilgrimage” (Clean Feed)
Este super-quarteto junta quatro nomes consagrados da cena jazz nacional: o saxofonista João Mortágua, o pianista Carlos Azevedo, o contrabaixista Miguel Ângelo e o baterista Mário Costa. Depois da estreia com o disco “Land” (Carimbo Porta-Jazz, 2020), neste novo registo, publicado pela Clean Feed, o quarteto explora um conceito mais específico, não se serve de composições como no disco de estreia, explora agora a pura improvisação livre e apresenta um conjunto de temas curtos. Esta é uma música híper-focada, onde os músicos têm de ir diretos ao osso. Os quatro instrumentistas têm pouco tempo para divagar e, apesar da brevidade de cada um dos temas, o quarteto mostra-se incisivo e explora muitas ideias, de forma concisa. Entre o sopro ziguezagueante de Mortágua, o piano vertiginoso de Azevedo de Azevedo, o contrabaixo pulsante de Ângelo e a bateria criativa de Costa, cresce uma música em permanente ebulição, uma música profundamente original.
(Nuno Catarino)
BODE WILSON: “Aether” (Carimbo Porta-Jazz)
O trio Bode Wilson, constituído pelo saxofonista e flautista João Pedro Brandão, o contrabaixista Demian Cabaud e o baterista Marcos Cavaleiro apresentou o seu terceiro registo, “Aether”, tal como os anteriores com selo da Carimbo Porta-Jazz. Três figuras essenciais do jazz nacional, todos músicos de predicados justamente enaltecidos pelo seu papel como líderes dos seus próprios projetos e noutras formações, onde por vezes tocam juntos – em especial a Orquestra Jazz de Matosinhos. O facto de se conhecerem particularmente bem move-os no sentido contrário ao da previsibilidade e da rotina. “Aether”, gravado ao ar livre numa capela em ruínas, na Casa de Bouçós, algures no Minho, entre Valença e Monção, será o expoente máximo desse desejo renovado de explorarem em conjunto novas possibilidades e soluções para uma configuração instrumental criada pelo hard-bop e amplamente desenvolvida pelo free. Para além das habituais alfaias, saxofone, flauta, contrabaixo e bateria, o trio recorre ao charango, a percussões várias e a uma pedaleira de órgão. “Aether” é um disco que a cada audição se deixa descortinar em toda a sua monumentalidade.
(António Branco)
RITA MARIA / JOÃO MORTÁGUA / MANÉ FERNANDES: “Quang Ny Lys” (Roda Music)
Três magníficos músicos e exploradores sonoros, juntaram-se para criar uma música inclassificável. Neste projeto, Rita Maria (voz), João Mortágua (saxofones) e Mané Fernandes (guitarra) servem-se de elementos do jazz, mas apenas como base, para a partir daí transformarem e criar algo novo, fora da caixa. Com os contributos de cada um destes extraordinários músicos, nasce uma corrente musical diabólica que se entrelaça, uma proposta contemporânea desafia o ouvinte e o leva para novos terrenos. Um bom exemplo do trabalho do trio é o tema “Round Noon”, onde a partir de “'Round Midnight” de Monk se vai criando em camadas sobrepostas de sons. Nesta edição da editora Roda Music (cada vez mais presente) somos surpreendidos por uma proposta muito original e criativa.
(Nuno Catarino)
JOÃO PEDRO COELHO: “Crónicas” (Edição de autor)
O pianista João Pedro Coelho é um dos pilares do famoso Ricardo Toscano Quarteto e tem acompanhado músicos como Nelson Cascais, André Fernandes, Afonso Pais, João Espadinha e Marta Garrett, além de integrar o Trio de Jazz de Loulé. Coelho apresenta neste seu disco de estreia um conjunto de onze temas originais, interpretadas em trio com dois veteranos: o contrabaixista Bernardo Moreira e o baterista André Sousa Machado. Sente-se nesta música a herança dos mestres pianistas portugueses (Mário Laginha, Bernardo Sassetti e João Paulo Esteves da Silva), mas há também ideias novas e frescas. Uma ótima surpresa, este disco de estreia como líder.
(Nuno Catarino)
NEIGHBOUR LIZARD: “Neighbour Lizard” (Robalo)
A notícia do surgimento de um supergrupo formado pelo contrabaixista Nelson Cascais, o guitarrista André Fernandes, o baterista João Lencastre e o saxofonista João Mortágua foi, desde logo, motivo para fundadas expetativas. Quatro personalidades artísticas muito fortes, quer na dimensão composicional, quer enquanto excelsos improvisadores, sempre atraídos pelo risco de experimentar novas soluções. Depois de se darem a conhecer num concerto no Liceu Camões, em Lisboa, lançaram este que é o seu álbum de estreia, homónimo. Um olhar pela ficha técnica e logo um aspeto ressalta, a repartição equitativa dos créditos: oito peças, duas da autoria de cada membro do quarteto, espelhando um modus operandi em que não existem quaisquer hierarquias ou protagonistas. Todos são líderes, todos suportam, todos brilham com luz própria e cintilante. O que se desvenda em “Neighbour Lizard” é um jazz avançando assente num imenso lastro neste domínio, mas também no rock, soltando amarras em direção ao imprevisível. Estimulante jornada que acrescenta pontos ao pecúlio de cada um dos quatro músicos.
(António Branco)
VERA MORAIS & HRISTO GOLEMINOV: “Consider the Plums” (Carimbo Porta-Jazz)
Dois jovens músicos em estreia discográfica, em desafio à poesia de William Carlos Williams. Um duo de voz e saxofone, uma exploração poética-musical. Vera Morais é uma magnífica descoberta: ainda bem jovem, a sua voz revela uma enorme amplitude, capaz de surpreender o ouvinte; com uma grande assertividade, vai desde momentos de beleza idílica até sons guturais assustadores. Hristo Goleminov revela aqui a sua capacidade instrumental, adaptando-se às formas de cada poema, criando cenários e ambientes para as palavras, acompanhando a voz. O duo mostra-se uma perfeita comunicação, nos uníssonos e nas dissonâncias, e sobretudo em tudo aquilo que fica a meio caminho. O trabalho do duo resulta como uma bela interpretação da poesia de Williams, com uma grande tensão e interpretação teatral. Este novo volume do Carimbo Porta-Jazz é uma magnífica surpresa. Não é música easy listening, precisa da atenção e dedicação do ouvinte, mas aí desvenda a sua absoluta riqueza. E releva dois novos talentos nortenhos, Vera Morais e Hristo Goleminov, que irão certamente dar que falar na cena jazz (e musical) nacional dos próximos anos.
(Nuno Catarino)
CARLOS AZEVEDO QUARTETO: “Serpente” (Carimbo Porta-Jazz)
Também pela raridade, um novo disco, em nome próprio, do pianista, compositor e arranjador Carlos Azevedo é um acontecimento. No último quarto de século, Azevedo dedicou-se quase em exclusivo à Orquestra Jazz de Matosinhos. Figura fundamental no paulatino processo de construção do atual panorama jazzístico nacional, plural e vibrante como nunca antes o fora, Azevedo tem sido decisivo em vários planos: nas obras marcantes que compôs ou arranjou, nas centenas de alunos que formou, ao piano em discos e concertos. Neste “Serpente” é acompanhado por músicos também eles centrais na cena do jazz portuense (e nacional), como o guitarrista Miguel Moreira, o contrabaixista Miguel Ângelo e o baterista Mário Costa. Este projeto junta peças estilisticamente muito variadas, para as quais confluem elementos do jazz, claro está, mas também, e muito, da música erudita, e também do rock. É deste cruzamento de referências que brota uma personalidade criativa muito peculiar. Como “Serpente” profusamente demonstra, escutar Carlos Azevedo num contexto mais intimista é raro deleite.(António Branco)
SPACE QUARTET: “Freedom of Tomorrow” (Clean Feed)
Primeiro surgiu o Space Program, a longa empreitada que Rafael Toral concretizou ao longo de treze anos. Desse ambicioso programa surgiu o Space Program, quarteto onde Toral (instrumentos eletrónicos) se faz acompanhar por Hugo Antunes (contrabaixo), Nuno Morão (percussão) e Nuno Torres (saxofone alto e eletrónica). Com esta formação Toral propõe uma música fluída, com a eletrónica a assumir um papel central, concretizando uma espécie de jazz para o século XXI. Neste novo disco do quarteto, editado pela Clean Feed, ao longo de cinco faixas (temas gravados ao vivo, entre Braga, Coimbra e Copenhaga), o quarteto trabalha uma música estruturada com espaço para a improvisação, que nunca para de desafiar o ouvinte.
(Nuno Catarino)
THE ATTIC: “Love Ghosts” (NoBusiness)
Gravado mesmo antes de a pandemia chegar sem aviso, “Love Ghosts” é o terceiro álbum do trio The Attic, formado pelo saxofonista Rodrigo Amado, o contrabaixista Gonçalo Almeida e o baterista neerlandês Onno Govaert. O grupo apresenta um disco que encerra em si dois planos, um mais imediatamente apreendível, que revela uma considerável dose de tensão explosiva, e outro mais detalhado e contido, sempre interpelando as lógicas difusas da comunicação em tempo real entre músicos, construindo, desconstruindo e reconstruindo ideias rítmicas e melódicas. «Recordo-me de ouvir pela primeira vez e ser surpreendido pela minha própria linguagem, pelo fraseado invulgarmente claro. É um disco que representa para mim um marco pessoal em termos de linguagem», disse o saxofonista à jazz.pt. A riqueza da abordagem que aqui escutamos radica na conjunção dos distintos elementos individuais que os três músicos aportam e que coalescem sem se diluir no cômputo. “Love Ghosts” é um álbum notável e um passo em frente de um trio em permanente evolução.
(António Branco)
GONÇALO ALMEIDA: “Improvisations on Amplified and Prepared Double Bass" (Shhpuma)
Há muito radicado nos Países Baixos, o contrabaixista Gonçalo Almeida reparte o seu trabalho em projetos como Albatre, The Selva, Ritual Habitual, Spinifex ou Lama. “Improvisations on Amplified and Prepared Double Bass” é o seu mais recente álbum a solo (já editou outros dois e tem outro no prelo), no qual indaga o futuro do contrabaixo e da música em geral, propondo caminhos ainda não trilhados. Tal como em muitas descobertas importantes, a sua invenção exigiu mais criatividade do que equipamentos: «A minha configuração é simples», salienta Almeida, «apenas um amplificador e um pedal de volume». Gonçalo Almeida é um escultor de sons, que trabalha com detalhe uma complexa e desafiante matéria-prima. As sete faixas deste álbum deixam claro o papel desempenhado pela interação física entre o amplificador e o contrabaixo: leves movimentos que mudam a posição e a distância entre o corpulento cordofone e a coluna de som para criar feedbacks controlados. O pedal de volume é utilizado para modular distorções; o uso que faz do arco é também especial. Como o é este álbum.
(António Branco)
JOÃO LENCASTRE: “Safe In Your Own World” (Phonogram Unit)
O baterista e compositor João Lencastre lançou em 2022 não um, mas dois álbuns: “Safe In Your Own World”, na Phonogram Unit e pela primeira vez em quarteto, com Leo Genovese, Drew Gress e Pedro Branco, e “Studio Adventures”, com improvisações livres inéditas registadas durante as sessões de gravação do anterior “Unlimited Dreams”. Liderando os seus próprios projetos e formações ou trabalhando com músicos de universos sonoros díspares, Lencastre tem vindo a desenvolver uma abordagem pessoal e versátil, do jazz de feição mais conservatorial à livre improvisação, revelando uma especial apetência para correr riscos, nunca se acomodando a fórmulas ou fronteiras. A música que escutamos em “Safe In Your Own World” é direta e espontânea, misto de composições e improvisações livres, não tendo a sessão de gravação durado mais de três horas. Excetuando um, todos os takes escolhidos foram os primeiros, o que demonstra uma busca consciente pela frescura e integridade da música. Todos os músicos arriscam e deixam que o momento lhes diga o que tocar (ou não tocar) – o que deverá ser o jazz senão isto mesmo?
(António Branco)
FILIPE RAPOSO: “Øbsidiana” (Lugre / Tinta-da-China)
Três anos e uma pandemia depois do notável “Øcre”, o pianista, compositor e arranjador Filipe Raposo regressou em 2022 com “Øbsidiana”, o segundo capítulo da trilogia das cores, ensaio sonoro e visual que parte de uma reflexão artística sobre a influência de um sistema cromático ternário – vermelho, preto e o branco. Nele, o músico continua a revelar o seu «universo simbólico-artístico», resultado de um processo de síntese criativa a partir de inúmeros elementos, do jazz à música erudita, passando pela música para cinema e pelo cancioneiro tradicional português. A improvisação continua a constituir-se como um ingrediente essencial na descoberta e desenvolvimento da obra, numa relação intensamente biunívoca com a composição. No belo livro que acompanha o disco, a improvisação surge também sob a forma de fotografias, todas de sua autoria, fazendo a ponte para a terceira parte da trilogia. Relojoeiro dos sons, Raposo conserva e desenvolve as características centrais de um pianismo de enorme rigor e sensibilidade melódica, harmónica e rítmica.
(António Branco)
SÉRGIO CAROLINO: “Below 0” (Clean Feed)
Sérgio Carolino é virtuoso da tuba, envolvido numa imensidão enciclopédica de projetos musicais; mas este não é um disco de tuba, ou pelo menos da tuba como a conhecemos: é um disco de “Lusofone Lúcifer” uma tuba “Frankenstein” gigante, construída à mão por dois fabricantes americanos (Tim Sullivan e Harold Hartman). Um instrumento único nas mãos de um dos poucos que o pode saber usar. “Frankenstein” porque é um emaranhado de tubos metálicos - peças e partes de tubas dos anos 50 e 60, das marcas King e Conn. Carolino chamou-lhe “Lúcifer” por ter um som “terrífico”, “diabólico”, “que vibra de uma forma incrível". Este disco é um solo de Lúcifer, a mega-tuba. A engenhoca metálica tem de facto um som incrível, profundo, que de alguma maneira fundamenta o título subsónico do CD: “Below 0”. O seu tamanho belzebútico obriga o músico a tocar devagar, contra cada nota anterior. Como se cada som fosse uma aventura: simultaneamente uma vontade e uma surpresa que obriga a ponderar o seguinte. Sérgio Carolino envolve-nos naquele som obsessivamente grave e poderoso, de um navio gigante e vamos passando por diferentes ambientes, oscilando entre a eletrónica e o orquestral, a música minimal e o psicadelismo num solo muito bonito, que nos leva para um universo sónico completamente diferente do que estamos habituados. Um processo verdadeiramente exploratório de um instrumento novo à procura da sua música.
(Gonçalo Falcão)
BERNARDO TINOCO & TOM MACIEL: “NoMad Nenúfar” (Clean Feed)
O saxofonista Bernardo Tinoco e o pianista Tom Maciel propuseram-se a sair das suas zonas de conforto. Convidaram ainda o baterista João Lopes Pereira, que participa em alguns temas. Nesta nova edição da Clean Feed, o duo (às vezes transformado em trio) revela uma música profundamente original. Se o formato de saxofone e piano já não será muito comum, esta abordagem dá volta a tudo aquilo que se poderia prever. Ao contrário do que se poderia antecipar, neste encontro musical a vertente de composição é forte e assumida, sendo a base de cada tema, à qual os músicos sempre regressam. A música deste duo-às-vezes-trio revela-se assim profundamente original, uma exploração criativa assente no diálogo instrumental que, tendo raízes no jazz e na improvisação, propõe diferentes caminhos e direções. A solução nunca é óbvia, desafia constantemente o ouvinte. Que boa surpresa.
(Nuno Catarino)
SUSANA SANTOS SILVA: “All the Birds and a Telephone Ringing” (Thanatosis)
Baseada em Estocolmo, a trompetista, compositora e improvisadora Susana Santos Silva tem vindo nos últimos anos a erguer um impressionante corpo de trabalho, que se espraia em múltiplas direções, em diferentes projetos e colaborações com Kaja Draksler, Mats Gustafsson ou Torbjörn Zetterberg, de entre muitos outros. “All The Birds And A Telephone Ringing” é um disco praticamente a solo, editado pela Thanatosis, no qual a portuguesa para além do trompete, toca também flauta irlandesa, tendo ainda feito gravações e misturas. Com este trabalho, Santos Silva demonstra a sua notável habilidade para transformar ou incorporar qualquer som numa obra composta. Faz uso de técnicas estendidas no trompete (por exemplo, a abrir a peça “All the Birds”) ou mistura o ranger de um casco de navio e sons de gaivotas no início de "The Way Home”, embora prefira manter o mistério acerca das fontes sonoras que utilizou. «Se as pessoas imaginarem algo completamente diferente, ótimo», diz ela. Para servir de complemento visual ao álbum, preparou vídeos a partir de filmagens feitas com o seu smartphone.
(António Branco)