Jorge Borges
Meio século de paixão pelo jazz
Jorge Borges é um dos nomes fundamentais da história do jazz na Madeira. Membro fundador do quinteto Oficina, dos G´BAP ou Dixie 8 Fun, esteve também presente nos primeiros tempos do Madeira Jazz Collective. Pianista, promotor, divulgador e pedagogo, figura essencial do Conservatório - Escola Profissional das Artes da Madeira - Eng. Luiz Peter Clode (CEPAM). Com o álbum "Meio Século à Volta do Jazz", acabado de lançar, celebra a sua paixão por esta música. A jazz.pt foi ao seu encontro.
Na edição de 2022 do Funchal Jazz Festival, Jorge Borges (n. 1952) viu editado e apresentado publicamente o álbum “Meio Século à Volta do Jazz”, gravado ao vivo no Teatro Municipal Baltazar Dias, em pleno centro histórico funchalense, em novembro de 2020. Nele surge acompanhado por um quinteto base constituído por Francisco Andrade (saxofones tenor e soprano), Alexandre Andrade (trompete), Ricardo Dias (contrabaixo) e Jorge Maggiore (bateria). Como convidados especiais surgem ainda a cantora Sarah Borges e os membros do Oficina.
O álbum é preenchido por uma mistura de clássicos de Thelonious Monk (“Monk´s Mood”, “Epistrophy”, “Pannonica”, “´Round Midnight” e “Blue Monk”) com alguns originais de Borges (“Balada de Outono”, ”Valpersa” e “Oásis 34”). Às primeiras notas ressalta de imediato a honestidade e a competência que todos colocaram na interpretação da música. Jorge Borges está em excelente forma; admirável a especial entrega aos temas de Monk, que se percebe conhecer profundamente, o que lhe permite, com autoridade, colocar o seu cunho pessoal. Das composições originais, destaque para “Valpersa”, com Francisco Andrade excelente no saxofone soprano. Menção também é devida à emocionante reunião do Oficina, em “JB Blues”, escondida após a última peça do álbum, e que conta com a participação dos restantes membros do quinteto: o saxofonista Gualberto Anjo, o guitarrista Humberto Fournier, o baixista Luís Nunes e o baterista Mário André. Este disco é um documento, o retrato de uma longa caminhada dedicada ao jazz.
Nascido na Madeira, Jorge Borges teve sempre a companhia de um piano em casa. A atração pelo instrumento foi ganhando intensidade ao longo dos anos. Na juventude tocava sobretudo temas rock, pop e soul, influenciado pelo Conjunto Académico de João Paulo. Nessa fase integrou grupos como Caleidoscópio e Happening. Estreia-se a tocar em público por volta de 1967. A meio da adolescência, um solo de Wynton Kelly deixa-o fascinado e abre-lhe as portas para o universo do jazz.
Estudante de Economia em Lisboa, entre 1969 e 1974, assiste aos primeiros Cascais Jazz. Opositor ao regime ditatorial de então, chega a ser preso pela PIDE, em Caxias. As tertúlias com um grupo de amigos no Funchal fazem aumentar a sua paixão pelo jazz. Regressado à Madeira começa a tocar jazz ao piano, mesmo antes de frequentar o Conservatório, o que acontece de 1975 a 1980. Daí em diante conciliou o jazz com a profissão de professor de Economia, que exerceu durante 43 anos.
Borges fundou e coordenou, ao longo de quase três décadas, o Núcleo de Música da Escola Secundária Francisco Franco (escultor madeirense). Neste âmbito, criou, em 1994, o grupo Tempo de Jazz, com o objetivo de chamar a atenção dos jovens para o jazz. Foi pianista da Orquestra de Jazz do CEPAM, apresentando-se em diversas ocasiões, entre 1987 e 1989, em concertos no Madeira Jazz Club. Integrou várias formações, de entre as quais o Oficina, com o qual tocou na 2.ª edição do Funchal Jazz, e o Quinteto de Jorge Borges, a partir de 2005.
No Conservatório – Escola de Artes da Madeira, nomeadamente no Curso de Jazz, ajudou a formar centenas de alunos, alguns dos quais viriam mais tarde a adquirir uma projeção nacional. Primeiro como professor de Piano-Jazz e de Piano Complementar, de 1999 a 2018; como Coordenador Regional na primeira fase do curso (2004 a 2008); e, sobretudo, como principal impulsionador, fundador e coordenador do Curso de Jazz do CEPAM na sua segunda fase, com um corpo docente apenas formado por professores madeirenses, que deu origem à abertura do Curso Profissional de Instrumentista de Jazz, em funcionamento desde 2017. Jorge Borges foi também divulgador de jazz, no programa semanal “Tecido de Jazz”, na antiga Rádio Madeira.
Toda esta intensa atividade foi alvo de reconhecimento por parte do Governo Regional da Madeira, que em 1993 lhe atribuiu a Palma de Mérito Regional. Em 2015 foi homenageado pela Câmara Municipal do Funchal e pelo Funchal Jazz e dois anos mais tarde pelo CEPAM. Como justamente refere Paulo Barbosa, homem-forte do Funchal Jazz, Jorge Borges é, como intérprete e compositor, pedagogo ou divulgador na rádio, «uma figura de proa no desenvolvimento do jazz na Madeira ao longo de mais de quatro décadas.»
Sobre tudo isto, e mais, a jazz.pt esteve à conversa com Jorge Borges.
Que balanço faz destes quase 50 anos de intensa atividade jazzística, em diferentes planos?
Sinto nesta fase da minha vida uma grande tranquilidade e imensa felicidade e orgulho quando penso em todas as realizações e aléas que preencheram a minha multifacetada trajetória jazzística (que ainda não terminou!, espero eu…), sabendo que dei o melhor de mim e crendo que cumpri a contento o que entendi e entendo ser uma espécie de missão em prol do desenvolvimento desta sublime forma de arte na minha terra. Em retrospetiva, o balanço que faço não pode, pois, deixar de ser extremamente positivo. Apoiado na convicção firme das opções que tomei e bafejado pelos acasos da vida, tive porventura a sorte de ser a pessoa certa rodeada pelas pessoas certas no sítio certo e no momento oportuno.
Como está hoje o jazz na Madeira?
Melhor do que nunca! Está de muito boa saúde e recomenda-se. No campo do ensino do jazz, os frutos da ação persistente e competente, muitas vezes contra ventos e marés, ao longo de mais de 20 anos, da minha excelente equipa de professores no Curso de Jazz do Conservatório, hoje renovada, sem esquecer o contributo inicial do Hot Clube de Portugal e dos seus professores (o Eng. Bernardo Moreira, os irmãos Moreira, João Paulo Esteves da Silva, Claus Nymark, Ricardo Pinheiro, André Fernandes, Nuno Ferreira, entre tantos outros), são agora bem visíveis. Nos dois cursos de jazz atualmente existentes, o Curso de Jazz para formação de adultos e o Curso Profissional de Instrumentista de Jazz (iniciado em 2016/17), a adesão dos jovens e dos menos jovens madeirenses tem sido bastante consistente, e muitos dos nossos alunos têm ingressado em cursos superiores na área do jazz, no nosso país ou no estrangeiro, com inegável sucesso, chegando mesmo alguns a atingir o topo no panorama do jazz nacional (bastará evocar o nome dos irmãos Santos, o Bruno e o André, ou de Moisés Fernandes, em Lisboa, e de João Paulo Rosado ou de Wilson Correia, no Porto). Os nossos professores, todos madeirenses (a partir de 2009-10), protagonistas da nossa aposta no ensino do jazz na Madeira, têm rosto. Sublinho nomes como Ricardo Dias (contrabaixista), Jorge Maggiore (baterista), Filipe V. Freitas, Décio Abreu, Vítor Anjo e Georgy Titov (guitarristas), Vânia Fernandes e Carla Isabel Moniz (cantoras), Alexandre Andrade (trompetista), Francisco Andrade (saxofonista), meus amigos e companheiros nesta viagem através do jazz.
O que mais gostaria de salientar?
Os bons e encorajadores sinais multiplicam-se. No Funchal Jazz Festival deste ano (a primeira edição aconteceu no ano de 2000), tendo como diretor artístico outro nome incontornável da história do jazz na Madeira, Paulo Barbosa, com um público atento que ultrapassou no total as seis mil pessoas, atuaram nada menos do que sete grupos de jazz de conotação madeirense, o que espelha bem a vitalidade que o jazz conquistou na nossa Região. Todas as semanas há concertos ou atuações no domínio do jazz em iniciativas públicas ou privadas. A recém-criada Associação de Jazz da Madeira “Melro Preto”, sob a égide dos irmãos Francisco e Alexandre Andrade, tem dado um extraordinário impulso à divulgação e à prática do Jazz na Madeira. A ela pertencem nomeadamente as iniciativas de realizar jam sessions todas as semanas, sempre muito concorridas, de efetuar ações de sensibilização ao jazz junto dos alunos do 1.º ciclo do Ensino Básico, porque para gostar de jazz é preciso conhecê-lo e escutá-lo, de preferência o mais cedo possível na vida, e de fundar a Orquestra de Jazz do Funchal, que se apresentou mui dignamente no palco principal do Funchal Jazz 2022 com o ilustre convidado Mário Laginha e o seu exigente repertório.
Tem tido um papel absolutamente decisivo no ensino do jazz na Região. Os resultados estão à vista de todos, em quantidade e qualidade...
Não serei bom juiz em causa própria… e relevo que nada se consegue fazer sozinho. No entanto, com humildade mas sem falsa modéstia, conforta-me saber que o meu labor de cinco décadas tem tido notável reconhecimento por parte dos meus pares e colegas, dos meus amigos, do público, de entidades públicas regionais e… dos meus alunos, afinal os legítimos destinatários da minha atividade, designadamente no que se refere ao ensino do jazz. Por vezes, confesso que até me surpreendo com alguns rasgados elogios que recebo, quando me limitei a fazer o que mais prazer me dava, com o claro objetivo de colocar ao serviço dos outros o meu saber, a minha energia, o meu ser, quer na área do jazz quer nas outras áreas em que desenvolvi a minha atividade. «Quem corre por gosto…». Acrescento que, mais do que os resultados, mais do que os processos, o que mais me toca é o lado humano, são as pessoas que me têm acompanhado e incentivado durante este longo trajeto.
O que considera ser essencial transmitir aos alunos de jazz: interpretar os clássicos do género, dar pistas e ferramentas para que trilhem o seu próprio caminho?
Os dois caminhos que refere são desejável e perfeitamente compatíveis e recomendáveis. Se estamos a falar da aprendizagem do jazz, considero indispensável conhecer a sua rica e multifacetada história e os meandros da teoria musical aplicada ao jazz, escutar atentamente e interpretar os “clássicos do género”, sem excluir qualquer época, corrente ou estilo, porque se trata, em Portugal como noutros países de todo o mundo, da apropriação e interiorização de uma cultura exógena, embora com características virtualmente universais. No entanto, é necessário conciliar essa abordagem, que deve ser sempre transmitida de forma crítica, com o fornecimento de “pistas e ferramentas” que suscitem a criatividade, a descoberta de uma linguagem pessoal e original, e de um percurso musical próprio, ainda que ancorado no amplo oceano do jazz ou nas suas margens.
O piano da sua infância fascinou-o e trouxe-o até aqui. O que se recorda dos seus primeiros passos na música, o que escutava então?
Nasci em 1952. O primeiro piano que conheci, um estranho velho piano castanho horizontal, existia na casa dos meus pais desde a minha primeira infância, destinado sobretudo à minha irmã mais velha (tocar piano e falar francês, como na lengalenga do gato maltês, fazia partir dos desígnios dos meus pais em matéria de educação das filhas). Sim, o piano atraiu-me irresistivelmente desde o primeiro momento. Adorava a sensação de tocar nas suas teclas de marfim, do som resultante, e do facto de poder combinar sons com as duas mãos, pois o piano é, de todos os instrumentos individualmente considerados, aquele que mais se aproxima de uma abordagem orquestral da música. No entanto, só por altura dos meus 11/12 anos comecei a tentar tocar ao piano algumas músicas, de ouvido. Até aos 22 anos, a minha aprendizagem do piano foi realizada exclusivamente como autodidata. Só depois de completar o Curso Superior de Economia e de ter regressado à Madeira frequentei, durante cinco anos, o Conservatório de Música da Madeira, com o piano como disciplina dominante. No fortalecimento da minha vontade de tocar piano e de fazer música, creio que a influência do meu irmão, Sérgio Borges, e do Conjunto Académico de João Paulo, então na ribalta do panorama musical em Portugal, terá sido determinante, tanto na vertente das músicas que escutava como na demonstrada possibilidade de seguir uma carreira musical. Justamente, a partir dos meus 13/14 anos, iniciei os meus encontros musicais de grupo na cave da casa de um dos meus grandes amigos, Daniel Gomes, músico polivalente, irmão do guitarrista do referido Conjunto, Carlos Alberto, precisamente o local onde o Conjunto costumava ensaiar. Pouco depois, formámos uma banda composta por estudantes do Liceu Nacional do Funchal, Caleidoscópio, e tocámos nos saraus poético-musicais promovidos sob a égide da nossa professora de Português, nas récitas dos setimanistas (finalistas do ensino secundário) do Liceu e numa ou noutra festa particular de estudantes, nos anos de 1966 a 1969. Ouvíamos e tentávamos tocar a música da época de que gostávamos: as bandas pop e rock de origem britânica ou norte-americana (Shadows, Beatles, Rolling Stones,…), o rockabilly (Elvis Presley,…), o rhythm’n’blues, o twist (Chubby Checker,…), o ié-ié francês (Johnny Halliday,…), as canções folk e de intervenção (Bob Dylan,…), as canções ligeiras italianas, espanholas ou francesas (Adamo, Gilbert Bécaud, Domenico Modugno, Raphael,…), o rock psicadélico (Jefferson Airplane, Doors,…) e sinfónico (Deep Purple, Emerson, Lake and Palmer,…), a música soul (Aretha Franklin, Otis Redding,…), para além, naturalmente, da música de Sérgio Borges e do Conjunto Académico João Paulo e de outras bandas portuguesas, como o Quarteto 1111, de José Cid, o Quinteto Académico, os Sheiks,….
Uma adolescência plena de fruição musical, em vários domínios…
Enfim, fruíamos, enquanto jovens adolescentes nos anos sessenta, de tudo o que nos agradava da música dessa década. Não era fácil nessa altura ouvir essas músicas (nem televisão havia…), mas, diligentemente e por diversos meios (sobretudo via rádio ou discos de vinil, que partilhávamos), conseguimos ter acesso à grande maioria da música que avidamente desejávamos escutar.
Conte-nos mais acerca da epifania ao escutar aquele solo de Wynton Kelly...
Terá sido o meu primeiro contacto com o jazz. Teria na ocasião à volta de 15/16 anos. Para quem estava a ouvir canções como “L’orange”, de Gilbert Bécaud, e, na mesma tarde, escutar inesperadamente o trio de Wynton Kelly no gira-discos do Daniel (o disco pertencia ao irmão) transportou-me para outra, superior e inaudita, dimensão da música. O espantoso solo de piano de Wynton deixou-me de imediato deslumbrado e intrigado. Com era possível tocar piano daquela maneira tão diferente do que conhecia? Esse momento marcou indelevelmente o meu devir musical. Sem o saber, estava perante a própria essência do jazz.
O que mais o atrai no jazz: a liberdade, a imprevisibilidade, a surpresa?
Naquele momento mágico, ao escutar Wynton Kelly, atraíram-me irresistivelmente todos os elementos que mais tarde reconheci como fulcrais na improvisação jazzística: a liberdade, a surpresa, a imprevisibilidade, a excitante pulsação/propulsão rítmica, o fraseado criativo, a atenta comunicação entre os músicos, a ousada, complexa, assimétrica e dissonante harmonia. Aprendi assim a escutar e a sentir a música de outra forma, muito mais profunda, abrangente e crítica. E o jazz entrou e para sempre ficou na minha vida.
Esteve presente em alguns Cascais Jazz. Que memórias guarda desses momentos?
Assisti aos dois primeiros festivais Cascais Jazz, em 1971 e 1972. Tempo de jazz, tempo também da imparável onda de contestação estudantil à ditadura fascista então existente em Portugal, à qual me associei empenhadamente, chegando mesmo a estar preso em Caxias, às ordens da PIDE/DGS, em maio de 1973. Para a grande maioria dos milhares de espectadores no festival, quase todos jovens universitários, a ocasião era sobretudo de confraternização e de luta contra o regime num dos raríssimos eventos culturais na Lisboa de então propícios a manifestações de massas, sendo o jazz mero pretexto. Assim foi também para mim, em parte. À partida para o festival, o jazz ainda não estava plenamente enraizado em mim. Porém, não deixei de vibrar intensamente ao som dos músicos de primeiríssimo plano do jazz mundial que tive o privilégio de ver e ouvir ao vivo, dos quais destaco o septeto elétrico de Miles Davis, o quarteto de Ornette Coleman, com Charlie Haden (recordo a tremenda agitação no pavilhão decorrente da dedicatória que Haden fez numa das composições aos movimentos africanos de libertação nas colónias portuguesas e a nossa revolta contra a tentativa de invasão do recinto pela polícia de choque, sempre à espreita), os fabulosos Giants of Jazz, com Thelonious Monk (et pour cause…), o impressionante organista Jimmy Smith e o seu grupo, a bem oleada European Rhythm Machine de Phil Woods, Cannonball Adderley e o violinista Jean-Luc Ponty. Foram experiências inolvidáveis que muito contribuíram para sedimentar a minha atração pelo jazz, que se tornou a música da minha paixão.
Conciliou a sua profissão de professor de Economia com as atividades ligadas ao jazz. As duas funcionaram como uma espécie de contraponto?
Na realidade foram bem mais do que duas atividades. Começo pela área do jazz. Realizei, entre 1982 e 1989, um programa semanal na rádio, Tecido de Jazz, com ciclos temáticos, entrevistas e atuação de grupos de jazz em direto. Fiz parte, como pianista e compositor, da banda de Jazz Oficina, constituída por Gualberto Anjo (saxofone), Humberto Fournier (guitarra), Juvenal Pereira e mais tarde Luís Nunes (baixo elétrico) e Mário André (bateria), em plena atividade entre 1979 e 2003, com múltiplas atuações na Madeira e no Porto Santo, um CD editado (em 2002) e uma prestigiante atuação no palco principal do Funchal Jazz Festival (em 2001). Fundei em 1994, na Escola Secundária Francisco Franco, o Tempo de Jazz, um espaço pioneiro exclusivamente dedicado à fruição, aprendizagem e interpretação musical do Jazz, ao serviço das jovens gerações, que liderei até à minha aposentação (2018). Dinamizei, organizei e participei em dezenas de ações de formação com grandes nomes do jazz nacional (Mário Laginha, Maria João, Pedro Moreira,…) e internacional (Rufus Reid, Jazzmeia Horn, Kurt Rosenwinckel,…). Integrei, em 1992, a equipa organizadora do primeiro seminário de Jazz realizado na Madeira, “À descoberta do Jazz”, com os Moreira’s Jazztet. De 1999 a 2018, fui monitor e professor das disciplinas de piano e de piano complementar no âmbito do Curso de Jazz do Conservatório – Escola Profissional das Artes da Madeira, que pela primeira vez no arquipélago introduziu o ensino do jazz. Exerci as funções de Coordenador do referido Curso de Jazz entre 2005 e 2016, acreditando que só formando músicos de Jazz seria possível educar e expandir o gosto, a fruição e a interpretação do jazz na minha Região. Como pianista, participei, entre 1996 e 2002, na banda de Dixieland Jazz, Dixie 8 Fun. Liderei, em inúmeros concertos e contextos, as bandas de Jazz que formei - o quarteto G’BAP, com Graça Pestana na voz, Paulo Aveiro no baixo elétrico e Amândio de Freitas à bateria (de 1992 a 1995), trios, quintetos, sextetos, nonetos. Respondendo a uma solicitação do Gabinete Coordenador de Educação Artística da Madeira, com vista à edição de um CD dedicado à “Música para Piano na Madeira”, gravei ao piano dois temas originais do pianista Hélder Martins, um nome bem conhecido de quem está atento aos primórdios do Jazz em Portugal Continental e do Hot Clube de Portugal. Mais recentemente, a partir de 2005, tenho atuado regularmente com o meu quinteto de eleição (Alexandre Andrade na trompete, Francisco Andrade no saxofone, Ricardo Dias no contrabaixo e Jorge Maggiore na bateria), cujo repertório consiste num tributo ao pianista Thelonious Monk e composições originais da minha autoria, precisamente o conteúdo musical do meu novo CD, "Meio Século à Volta do Jazz". De 2015 a 2022, assumi o cargo de diretor pedagógico do Funchal Jazz Festival. Entre janeiro de 2015 e maio de 2016, participei, como pianista e fundador, no septeto de Jazz Madeira Jazz Collective, que apostou num repertório integralmente constituído por composições originais dos seus membros. Na área do rock, para além das experiências juvenis, fiz parte, como teclista, da banda de covers, Midnight Xpress, em 1992.
Mais a docência musical…
No domínio da docência musical, fui também professor da disciplina de Prática de Teclado no âmbito da Licenciatura em Educação Musical – Instituto Superior de Ciências Educativas, Odivelas (extensão na Madeira), entre 2009 e 2013. No âmbito das mais variadas formas de expressão musical, da música tradicional ao fado, da música pop à música clássica, do rock ao jazz, fui fundador, coordenador e professor de piano, entre 1989 e 2018, do extracurricular e também pioneiro Núcleo de Música da Escola Secundária Francisco Franco, coadjuvado pelos professores Mário André, Carmo Marques e Humberta Correia, com intensa atividade, excelente convívio e múltiplos espetáculos multidisciplinares realizados.
… e não musical…
E… a par de tudo isto, exerci durante mais de quatro décadas, com toda a satisfação, perseverança e atualização permanente as múltiplas, absorventes e extremamente exigentes funções de professor de Economia na supracitada Escola Secundária Francisco Franco. Adorava sobretudo o contacto direto com os meus alunos e procurava incessantemente estratégias para atender às necessidades de aprendizagem de cada um deles. Fui Delegado do meu grupo de docência, Delegado do Conselho de Clubes, membro do Conselho Pedagógico e do Conselho da Comunidade Educativa, e formador no contexto da Formação em Serviço de outros colegas do meu grupo.
Uma vida cheia…
Criei dezasseis composições originais, quase todas tributárias da linguagem do jazz, e participei na gravação de cinco (agora seis) CD. Entretanto, casei (em 1975), fui pai (em 1983) e agora sou avô (desde 2021).
Como gerir tudo isto?
Com muita determinação e agudo sentido das prioridades. Sou muito metódico, extremamente organizado e radicalmente concentrado no que estou a fazer. Quando realizo qualquer tarefa, estou 100% focado nessa atividade, tentando eliminar qualquer “distração”. Encaro cada tarefa como uma espécie de renascimento («contraponto», como lhe chama) face à tarefa anterior. Pareço ganhar nova energia ao mudar de tarefa. E a música, o piano, sempre presentes, acabam sempre por libertar-me do cansaço das tarefas mais burocráticas e menos atrativas.
O Oficina é uma das formações mais emblemáticas do jazz madeirense. Reuniu o quinteto no concerto que deu origem ao disco “Meio Século à Volta do Jazz - Ao Vivo no TMBD 13.11.2020”. Há planos para novas reuniões e, quem sabe, para novos trabalhos?
Se o meu grupo atual é o meu quinteto de eleição, os ‘Oficina’ são a banda da minha vida. Foram 24 anos de genuína amizade, cumplicidade e solidariedade, intensas experiências heterodoxas de criação musical coletiva, de aprendizagem da linguagem das diversas correntes do jazz e de múltiplos concertos efetuados. A relação afetiva permanece intacta, mas para mim os Oficina são parte do (memorável!) passado. Trilhámos percursos distintos a partir de 2004. Não excluo novos reencontros pontuais, sem que isso signifique, porém, a continuidade de um projeto musical duradouro.
No disco interpreta alguns clássicos de Thelonious Monk. É a sua principal referência?
Somos a soma de todas as influências que recebemos. Na área do jazz, as minhas referências são naturalmente múltiplas, incluindo músicos e compositores dos mais diversos instrumentos e das variadas eras do jazz (como ignorar figuras tão proeminentes como Louis Armstrong, Duke Ellington, Charlie Parker, John Coltrane, Ornette Coleman, só para nomear alguns?). No que se refere a pianistas de jazz, as minhas referências essenciais são Earl Hines, Teddy Wilson, Lennie Tristano, Bud Powell, Wynton Kelly, Bill Evans, Keith Jarrett, Fred Hersch,…, além, obviamente, de Thelonious Monk, por quem nutro um carinho muito especial, sobretudo pelas suas extraordinárias composições, cujas invulgares beleza, identidade e complexidade me fascinam, mas também pela sua iconoclástica e singular maneira de tocar piano, onde uma única nota ou acorde, colocado no momento dramaticamente justo, possui a rara faculdade de atingir a própria essência da música, de desnudar toda uma estrutura. Sinto imenso prazer ao tocar ao piano as composições de Monk. De tudo isto resulta a minha vontade de prestar tributo ao genial músico e de inserir algumas das suas composições neste CD.
Tenho a certeza que na sua cabeça continuam a fervilhar muitas ideias...
Em primeiro lugar, pretendo prosseguir a minha aprendizagem do jazz, da sua história, da sua teoria e da sua prática, porque o saber é sempre incompleto. Tenciono compor novos temas de jazz. Quero dar continuidade aos ensaios e concertos com o meu Quinteto atual, ampliando o repertório, ainda que mantendo as suas duas vertentes fulcrais (Monk e os meus temas originais). Tenho ainda o sonho de gravar um CD apenas com (outras) composições da minha autoria. Gostaria também de tornar público o repositório dos meus antigos programas de jazz na Estação Rádio da Madeira, que zelosamente conservei ao longo de quase 40 anos. As emissões guardadas em cassetes áudio já estão todas convertidas em mp3 (foram 348 emissões!) e encontro-me neste momento a datilografar no computador todos os textos que manualmente escrevi para o programa (são mais de um milhar de páginas manuscritas!). Procurarei igualmente transmitir às novas gerações o legado, a experiência e o testemunho da minha vivência de «meio século à volta do jazz». Atingidos os 70 anos de vida, espero apenas ter a saúde e a energia necessárias para levar a bom porto os meus desígnios.