Internacional, 17 de Maio de 2022

Internacional

Jazz em Espanha: Influências multiculturais e vanguarda

texto: Begoña Villalobos / fotografia: Valentín Suárez

Muitos de nós vamos acompanhando com atenção a música que se faz no estrangeiro, particularmente nos Estados Unidos e em alguns pontos da Europa, mas nem sempre estamos atentos àquilo que acontece mesmo aqui ao nosso lado. Convidámos a jornalista espanhola Begoña Villalobos, fundadora e editora do site In&OutJazz, a contar-nos o que está a acontecer atualmente na cena jazz em Espanha.

A chegada de 2022 deixou para trás um conjunto de incertezas e mudanças, provocadas pela pandemia global que nos atacou a todos. Confirmámos que a mudança é a única constante, paradigma de progresso e evolução. O mundo da cultura teve de adaptar-se a muitas mudanças, causadas por acontecimentos imprevistos e, até agora, inimagináveis. No entanto, e apesar de tudo, o jazz continuou a deixar a sua marca na arte, cultura e criatividade. Em 2020 assistimos a um ponto de inflexão, com o encerramento do setor cultural, e esta pausa forçada contribuiu para um impulso renovador. O mundo criativo jazzístico está em ebulição. Torna-se difícil enumerar todos os músicos de jazz espanhóis, já estamos perante um panorama de altíssima qualidade, mesmo com as dificuldades (devido a má organização e à precariedade do setor neste país), que não favorece a inclusão de novos talentos com facilidade.

Fazendo uma breve resenha histórica, temos antecessores e mestres do jazz espanhol como Tete Montoliu, que desde os anos 40 gravou com músicos como Don Byas, Chet Baker, Elvin Jones, Archie Shepp, Anthony Braxton e Ornette Coleman, entre outros.  Como recordou Teddy Bautista (Secretário-geral da Sociedad General de Autores y Editores), «Tete era un genio irrepetible». Este músico não passou desapercebido a Jordi Pujol, fundador do prestigiado selo espanhol Fresh Sound Records, no qual publicou várias das suas gravações históricas. Esta label destaca-se pela qualidade das sua edições e tem ganhado prestígio internacional desde os anos 80, quando se especializou na publicação de discos clásicos de jazz americano, fazendo um trabalho de resgate de legados artísticos que, de outro modo, se teria perdido. Outro pilar fundamental da editora tem sido o rastreio de novos talentos e foi na Fresh Sound que muitos dos protagonistas do jazz do novo milénio gravaram os seus primeiros discos.

Pedro Iturralde (1929-2020), saxofonista de Navarra, foi outro dos pioneiros, começou a tocar em jam sessions e ganhou notoriedade no Festival de Berlim com o seu “Jazz Flamenco” com Paco de Lucía. Este disco abriu terreno para uma primeira geração de músicos, como os pianistas Chano Dominguez e Horacio Icasto, o saxofonista e flautista madrileno Jorge Pardo, os saxofonistas Perico Sambeat e Kike Perdomo, o baixista de Barcelona Carles Benavent, o contrabaixista Javier Colina, o harmonicista Antonio Serrano ou o baterista Tino Di Geraldo – estes músicos criaram pontos de conexão com as músicas populares do mosaico cultural espanhol. Na atualidade, são muitos os nomes do jazz contemporâneo, como o saxofonista Perico Sambeat que embandeira a extensa “cantera” valenciana, juntamente com músicos como David Pastor (tompetista), Toni Belenguer (trombonista recentemente falecido) ou Javier Vercher (saxofonista), entre outros. E são muitos os músicos madrilenos contemporâneos numa linha de jazz de vanguarda, como os pianistas Albert Bovert, David Sancho e Marta Sánchez, os bateristas Juanma Barroso, Marc Miralta, Jorge Rossy e Ramón Prats, os contrabaixistas Javier Moreno e Baldo Martínez, o trompetista Raynald Colom e projetos como o do pianista e compositor Moisés P. Sánchez, com uma influência de música clássica assente em desenvolvimentos melódicos.

No ano de 1966 nasce o Festival de San Sebastián, uma referência cultural em toda España e até na Europa, que tem fomentado o surgimento de outros festivais, como os de Vitoria, Barcelona ou Madrid, que formam um núcleo de influência nacional, promovendo o aparecimento de programações com estrelas internacionais nos clubes das principais cidades espanholas.

Albert Sanz

Em Madrid, destacam-se clubes como o mítico Whisky Jazz Club ou o lendário Bogui Jazz Club, liderado por Dick Angstad, com uma programação centrada no jazz contemporâneo e que serve de influência a outros locais de primeira linha, como o histórico Café Central, o Berlín Jazz Club, a sala Clamores, o ciclo de jazz do Centro Nacional de Difusión Musical (CNDM) del INAEM no Auditorio Nacional de Madrid ou o ciclo de jazz do Círculo de Bellas Artes. 

Dentro da cena mais underground, onde os projetos locais vão ganhando forma, encontra-se o genuíno café El Despertar, El Sótano, as jam sessions matinais de domingo no Bar Casa Pueblo ou as propostas de improvisação livre no centro cultural La Tortuga, no mítico bairro de Lavapiés.

Em Barcelona destacam-se clubes como Jamboree JazzClub, Nova Jazz Cava (Terrassa), Nota 79, JazzMan, Jazz Club la Vicentina, o espaço bar-clube JazzSí Club Taller de Músics, 23 Robadors (com programação de jazz alternativo e sessões de improvisação livre), espaçosque se estão a abrir a expressões jazzísticas menos ortodoxas.

Também Valência conta com uma das melhores programações do país, a do Jimmy Glass Jazz Club, com uma linha de jazz de vanguarda.

Desde 1960, ano em que surgiu a primeira crítica especializada de jazz, até agora, os jornalistas espanhóis têm mantido o jazz bem vivo na imprensa, com revistas especializadas e rádio. Alguns projetos têm estado perder espaço, ou mesmo a desparecer, como aconteceu com os Cuadernos de Jazz, o que levou à criação a necessidade de se criar a Esfera Jazz, portal de difusão do jazz na Espanha e na América Latina, agregando 23 páginas web e 34 podcasts. Criada por Alex García em 2019, esta é uma grande comunidade de imprensa e divulgadores de jazz e o meu projeto In&OutJazz tem o prazer de a integrar.

A situação geográfica privilegiada deste país favorece a abertura a variadas influências multiculturais (latinas, eletrónicas, clássicas ou vanguarda). Em Madrid existe uma comunidade muito forte de músicos cubanos, entre o jazz latino e a vanguarda jazzística, que gozam de muito prestígio, como Javier Gutierrez Massó (também conhecido como “Caramelo de Cuba”), Georvis Pico, Luis Guerra, Iván “Melón” Lewis (vencedor do Grammy Latino 2021 com o álbum “Voyager, na foto acima), Reinier Elizarde “El Negrón”, Manuel Machado, Jerry González, Román Filiú, os irmãos Vistel (Jorge Vistel e Maikel Vistel) e Yuvisney Aguilar (premiado nos Global Music Awards 2021 com o seu último disco “Guajiro – Warhero. Barcelona acolhe uma grande comunidade de brasileiros, e tem figuras importantes como Jurandin Santana, Alan Sosa, Carlos Sarduy, Alexey Leon ou Marc Ayza. Na Galiza, com influências portuguesas, temos figuras como Abe Rábade, pianista e compositor (integra o quarteto do português Mário Barreiros, por exemplo), o baterista Paco Charlin e a baterista galega Naíma Acuña, que tem tocado com Greg Osby, entre outros. 

Atualmente estamos a assistir à afirmação de uma nova uma geração de jovens emergentes, que complementam a sua trajetória com colaborações internacionais e que estudam em Amesterdão, Copenhaga ou Basileia, que potencia a abertura de novos caminhos, com maior liberdade de expressão artística. Músicos como Oscar de Latorre, Santi de la Rubia, Pier Bruera, Xavi Torres, Miguel Rodríguez, Carmen Lancho e Alberto Guío. E vemos outros grandes talentos, já consolidados, como Marco Mezquida, Alberto Palau, Ernesto Aurignac, Enrique Oliver, Santi de la Rubia e Albert Sanz.

Este impulso renovador do jazz materializou-se com a publicação do primeiro livro de composições de músicos espanhóis - ou músicos adotivos, que trabalham em Espanha. Em 2021 foi então concretizada esta compilação de obras originais de compositores espanhóis, com a edição do livro “The Spanish Real Book”.

Agenda

24 Março

Margaux Oswald

Cossoul - Lisboa

24 Março

The Comet Is Coming

Lisboa Ao Vivo - Lisboa

24 Março

Alessio Vellotti Group

Cascais Jazz Club - Cascais

24 Março

Blind Dates

Porta-Jazz - Porto

24 Março

João Espadinha

Auditório ESPAM - Vila Nova de Santo André

24 Março

Escola de Jazz do Porto

Centro de Cultura e Congressos da SRNOM - Porto

24 Março

Miguel Ângelo Quarteto

Maison826 - Pedro Remy - Braga

24 Março

Alex Zhang Hungtai, Pedro Sousa e Gabriel Ferrandini

Sala 6 - Barreiro

24 Março

Júlio Resende

Fábrica Braço de Prata - Lisboa

25 Março

Duke Ellington’s Songbook

Sunset Jazz - Café 02 - Vila Nova de Santo André

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