André Fernandes
Wonder Wheel para os olhos
O guitarrista e compositor apresentou o seu novo projecto na Culturgest em Setembro e foi aí que o encontrou o fotógrafo Hervé Hette. Aqui se dá a ver o que então se ouviu, com comentários na primeira pessoa do próprio músico…
«Cresci a ouvir rock. E nunca vi razão para o dissimular naquilo que faço, mesmo que numa música identificada com o que quer que o termo “jazz” signifique por estes dias. Cobain, Hendrix, Van Halen e, mais recentemente, Josh Homme e Jack White são músicos que admiro e que me dão imenso prazer. Esta influência num guitarrista de jazz nada tem de novo, aliás. Scofield, Metheny, McLaughlin, Monder, Rosenwinkel e tantos outros trazem para aquilo que fazem grandes, e por vezes muito óbvias, influências do rock e do funk.»
Ouvi tudo
«Ouvi tudo o que pude encontrar, desde Wes Montgomery e Jim Hall a John Abercrombie e Pat Metheny. Depois, deixei de seguir o que se vai fazendo. Gosto do trio de Ben Monder, mas coloco este noutro “saco”, por ser tão diferente. A guitarra de jazz tem hoje a mesma presença e a mesma importância que qualquer outro instrumento, mas também pode trazer uma vertente mais ampla e experimental.»
A pessoa ideal
«As minhas referências vocais estão todas fora do universo do jazz. A cantora Inês Sousa até fez formação em jazz, pois licenciou-se em Jazz pela ESML, mas tem uma abordagem à interpretação que vem muito mais de outras áreas. Essa mistura, aliada ao timbre dela, tornou-a na pessoa ideal para esta música. A Inês também faz parte do meu grupo de rock sPiLL, e essa proximidade ajudou muito na escolha.»
Como um todo
«Compus a maior parte da música antes de ter este grupo formado. Tinha gravado algumas “demos” sozinho, tocando e cantando tudo para ouvir e perceber onde poderia integrar aquilo que andava a escrever e que claramente pedia uma voz, coisa que não fazia parte dos meus grupos activos, como o Motor. Quando percebi que tinha temas que poderiam funcionar como um todo, decidi trabalhá-los para gravar um disco, e só então decidi quem iria fazer parte. Sabia que ia ser um disco muito diferente de todos os meus anteriores, e isso entusiasmou-me.»
Favorito
«Já tinha gravado anteriormente com Mário Laginha o álbum “Cubo” e parte do “Imaginário”, pelo que não foi devido à sua parceria com Maria João que o convidei para este grupo com voz. A música de “Wonder Wheel” não foi moldada pelo facto de existir uma voz, antes pelo contrário. A voz era necessária para esta música porque fazia parte dela à nascença, e nos temas sem letra (quase todos) foi usada como mais um instrumento, como anteriormente fiz com o saxofone. A inclusão do Mário neste disco tem apenas a ver com o facto de ser um dos meus músicos favoritos e um dos mais singulares e interessantes pianistas do planeta.»
Não é pop-jazz
«”Wonder Wheel” não é pop-jazz. Em três das oito faixas do disco (“Wonder Wheel”, “Down the Road” e “Lilac Wine”) a voz adopta um papel mais destacado em temas com letra, mas uma canção não remete obrigatoriamente para o universo pop. Joni Mitchell e Rebecca Martin são pop como Britney Spears ou Madonna? Para estas canções serem pop teriam de existir elementos que aqui não se encontram, como um ritmo fixo, um “backbeat” e uma estrutura harmónica que obedecesse a determinadas sequências convencionais, com arranjos muito trabalhados e limpos, refrões que “ficam no ouvido” e ausência de improvisação tanto na interpretação dos temas como nos solos. Pop-jazz é Jamie Cullum, Michael Bublé e esse tipo de coisas.»
Um tema maravilhoso
«“Lilac Wine”, de James Shelton, é um tema maravilhoso que teve interpretações incríveis nas vozes de vários músicos, entre os quais Nina Simone e Jeff Buckley. Fiz um arranjo e gostei muito do que ficou gravado. Hesitei em incluí-la no disco, por razões óbvias, mas achei que era suficientemente diferente dessas versões intocáveis e que tinha sido transformada na nossa própria versão. Merecia fazer parte do CD.»
Difícil de categorizar
«“Wonder Wheel” é uma edição diferente das demais que lancei e ainda assim continua a ser a minha música, feita da forma como sempre a fiz. Nunca “censuro” a música que faço e nunca a moldo com propósitos não musicais. Desta vez não foi diferente. Cada grupo que dirijo ou disco que gravo tem a sua personalidade própria. Se fizesse sempre a mesma coisa, com a mesma premissa e o mesmo resultado, mesmo que bom, iria estagnar e morrer artisticamente. Não tenho interesse nisso. Por vezes faço música mais experimental, como o duo com João Lencastre, outras vezes toco rock (sPiLL), outras vezes entro pelo jazz (Motor) e outras vezes crio uma música mais dificil de categorizar, como com este quinteto.»